domingo, 14 de junho de 2020

Ontem saio do trabalho, para que fui sem vontade diga-se, à pressa para comer qualquer coisa e seguir para o dentista, donde a miúda saiu com a boca a parecer uma trincheira de guerra, mas muito feliz com isso - quando eu pus aparelho não fiquei nada feliz, mas os tempos parece que são outros, e ela é muito diferente de mim... o que sendo uma coisa (muito, e eu sei) boa não há dia que não me faça maldizer o facto. Hoje dormi até mais tarde, coisa boa, mas sem ronha; levantei-me e levei a cadela ao veterinário... andava esquisita, e eu estava a ficar preocupada. Ao que parece está grávida, outra vez, mas desta só na cabeça dela - graças a Deus porque eu não seria capaz de passar outra vez por aquilo tudo, e ela é que teve dez filhos, mas eu é que dei biberon a todos, vezes sem conta, muitas de madrugada, lavei a cozinha dez vezes ao dia, e eu (nós, que não o fiz sozinha) é que enterrei seis deles, e não quero voltar a passar por nada parecido, fiquei exausta em todos os aspectos... então, agora, está com uma gravidez psicológica, e anda triste e ansiosa e esquisita, mas felizmente será só isso, e passa. No caminho pede e tem mais mimo, o que é não é mau. Voltei para casa, peguei no livro, tentei ler, larguei o livro, apanhei sol na varanda,  queimei neuronios na televisão ainda à luz do dia, coisa que já não me lembro de fazer... e nisto tudo, muitas vezes durante o dia dei por mim a perguntar-me que raio ando eu aqui a fazer? Às vezes parece que os dias passam como quem queima fósforos, assim, uns atrás dos outros, sem acender o cigarro que se traz nos dedos, ficando só a olhar para os restos mortais, inertes e queimados do anterior enquanto se risca o próximo. Há dias em que lucidamente vejo o abismo a abeirar-se de mim, quase a envolver-me... e olho para o lado - não paro, só olho para o lado. Alguma coisa terei aprendido com certas criaturas...acho que se o ignorar ele não me vê. E todos sabemos que o perigo não é vermos o abismo, é ele olhar de volta para nós, porque vê-nos. E isso é uma chatice. Sempre que alguém, ou alguma coisa, nos vê realmente, é uma chatice. Nada de bom costuma vir daí. Pelo menos que eu saiba, que eu conheça. E várias vezes durante o dia me perguntei: o que raio andas tu aqui a fazer? E eu, que dizem ter resposta pronta para quase tudo, não sei responder. Não sei. Mas agora, aqui sentada no cadeirão da varanda, abraçada a uma manta amarrotada de tempos e memórias, que me aquece e me lembra do frio, rodeada deste silêncio nocturno, acho que não preciso de saber o que raio ando aqui a fazer, desde que ao menos goste de alguma coisa, alguma coisa faça sentido. Como este cigarro entre os dedos que queima o silêncio da noite que me embala em palavras mudas. E isso faz sentido em mim, pelo menos agora, já.  Mesmo que não tenha sentido nenhum, e a pergunta continue sem resposta.

6 comentários:

  1. Acho que, de vez em quando, passamos todos por essa introspecção. Os dias passam um a seguir ao outro, rápidos e nós ficamos a vê los passar, como se fossemos dentro de um carro a alta velocidade, e mal conseguíssemos ver a paisagem... Possivelmente temos que tirar coisas aos nossos dias, para fazer o tempo andar mais devagar. Principalmente aquelas que não nos fazem felizes e que nós teimamos em manter, sem sabermos bem porquê...

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    1. Mantemos coisas que não nos fazem felizes sem sabermos porquê e tiramos poucas coisas aos dias para que os possamos sentir passar. Talvez uma coisa e outra não estejam tão desligadas... quando deixarmos de manter coisas que não nos fazem felizes é que teremos mais ganas de fazer o tempo desacelerar, talvez assim tenhamos uma razao para isso... para não deixar a vida fugir e aproveitar...
      eu tenho fases em que olho para mim, para a minha vida, pelo lado de fora, e acho que ando a enganar a vida a pensar que ando só a enganar os dias... trabalho que nem uma doida não sei para quê, nem para quem, e dia após dia, vivo como se fizesse parte dum mecanismo gigante que ninguém comanda. Por isso às vezes tenho necessidade de pequenas coisas que me façam ter-me perto. De me saber e sentir. Mas só quando não fujo de mim, o que também acontece - outra coisa que também aprendi, ajuda a sobreviver mas nada a viver.
      Enfim eu e a minha falhada capacidade de sintetizar e ser sucinta... ponho-me a falar, ou melhor a escrever (a falar, curiosamente não acontece muito) e acabo demasiadas vezes a divagar :))
      Bom domingo, Alice :)

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    2. Acredita que andei muito tempo assim, como descreveste, até ao dia em que decidi que tenho que sentir mais do que o tempo a passar me entre os dedos. Fazer mais por mim e menos pelas obrigações perante os outros. Quero partir um dia sem o desespero de não ter feito
      algo pela minha felicidade.
      A vida é tao curta e um dia, quando menos esperarmos, vai obrigar nos a parar e já vamos tarde para voltar atrás, refazer o caminho com outro tempo.

      Boa semana, Olvido, e não te mates a trabalhar. :)

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    3. Também acredito nisso, que um dia a vida obriga-nos a não olhar para o lado, a não evitar o que já sabemos... temos de fazer pela nossa felicidade quando temos oportunidade disso, é verdade.
      Por hoje já acabou :)) ao menos isso. Mas amanhã há mais...
      Boa semana, Alice :)

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  2. "...não preciso de saber o que raio ando aqui a fazer, desde que ao menos goste de alguma coisa, alguma coisa faça sentido."

    Sabes Vi, acho que esta tua frase é a resposta a muitas das tua dúvidas.

    Sorri, e bom domingo:))

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    1. Sabes, Legionário, foi essa a sensação que tive ontem... que se calhar a resposta é não ter de ter resposta é aproveitar o que há, e fazer por haver muitos momentos assim, que fazem sentido em ti :)
      Bom resto de fim de semana, Legionário :)

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