Não sei se a porta estava aberta ou se ma abriram. A casa era antiga, os tectos altos, havia uma sensação de imponência aligeirada. A casa não estava vazia, mas não se viam móveis. A luz entrava alta e permanecia. Entrei num salão de paredes amarelo muito claro mas envelhecido, gasto. É então que me fala, pergunta-me pelo irmão e eu não sei, digo que não sei dele, nem quero. Há um porquê interrogado no sorriso que lhe cobre os dentes, e talvez por isso lhe diga, sem responder, que saí de onde já não queria estar, que estou bem e ele, tenho a certeza que também. Ouve-me como quem procura com os dedos e de olhos fechados, os interstícios de silêncios entre palavras. Olhei-o para o descobrir absorto em mim, imediatamente antes de haver na sua boca um trejeito (sorri, talvez seja coisa de família, sussurra-me a memória) de ironia, ou de sabedoria oculta e misteriosa, que eu fingi não ver enquanto me virei para as grandes portas brancas, descascadas pelos serões passados, que davam para para o que pensava ser uma varanda, mas não, era um alpendre virado para o jardim decadente, amolecido, escuro. Levantou-se um vento que soprava ruídos e restos de passados no ar. Levantava o que estava no chão e derrubava árvores grandes mas ocas, como cascas em pé. Em pé de vento. E eu não percebia nada, a ventania soprada do vazio - assusta-me o vento como poucas coisas. Tento voltar para trás mas já não há portas, e de repente reparo no tecto, almofadado com o vento a brincar entre a tinta descolada e o esqueleto da casa. E fiquei encantada sem saber porquê. Era bonito sem ter porquê, percebi que gostava de olhar o efeito sem o descortinar por completo. Talvez haja alguma beleza magnética na decadência, nas ruínas, nos destroços do que já foi esplendoroso, ou pareceu. Não sei. O vento desapareceu e ele voltou, meio torto, meio coxo, nem consegui perceber, mas percebia-se que tinha sido um homem lindo, com altura e porte, ossatura da face bem definida, olhos magnéticos. Deveria ter tido aquele ar de quem caminhava sabendo o que queria, ou pelo menos, aparentá-lo, e agora estava ali, a guardar uma casa que não sentia vazia, mas sem mobília onde se possa viver. Agora tudo isso estava demasiado descoberto, não tinha caminho, mas tinha ainda uma beleza qualquer guardada, muda, mas familiar, como se o conhecesse de outras camadas. Chegou e abraçou-me disse-me qualquer coisa de eu não ter perdido o calor. Abraçou-me e uma paz cheia invadiu-me. Não percebi. O despertador, demasiado madrugador, também não. Deixei o sonho onde estava, vim-me embora, mas o abraço durou-me até agora. Até agora, só.
sexta-feira, 28 de junho de 2019
Não sei se a porta estava aberta ou se ma abriram. A casa era antiga, os tectos altos, havia uma sensação de imponência aligeirada. A casa não estava vazia, mas não se viam móveis. A luz entrava alta e permanecia. Entrei num salão de paredes amarelo muito claro mas envelhecido, gasto. É então que me fala, pergunta-me pelo irmão e eu não sei, digo que não sei dele, nem quero. Há um porquê interrogado no sorriso que lhe cobre os dentes, e talvez por isso lhe diga, sem responder, que saí de onde já não queria estar, que estou bem e ele, tenho a certeza que também. Ouve-me como quem procura com os dedos e de olhos fechados, os interstícios de silêncios entre palavras. Olhei-o para o descobrir absorto em mim, imediatamente antes de haver na sua boca um trejeito (sorri, talvez seja coisa de família, sussurra-me a memória) de ironia, ou de sabedoria oculta e misteriosa, que eu fingi não ver enquanto me virei para as grandes portas brancas, descascadas pelos serões passados, que davam para para o que pensava ser uma varanda, mas não, era um alpendre virado para o jardim decadente, amolecido, escuro. Levantou-se um vento que soprava ruídos e restos de passados no ar. Levantava o que estava no chão e derrubava árvores grandes mas ocas, como cascas em pé. Em pé de vento. E eu não percebia nada, a ventania soprada do vazio - assusta-me o vento como poucas coisas. Tento voltar para trás mas já não há portas, e de repente reparo no tecto, almofadado com o vento a brincar entre a tinta descolada e o esqueleto da casa. E fiquei encantada sem saber porquê. Era bonito sem ter porquê, percebi que gostava de olhar o efeito sem o descortinar por completo. Talvez haja alguma beleza magnética na decadência, nas ruínas, nos destroços do que já foi esplendoroso, ou pareceu. Não sei. O vento desapareceu e ele voltou, meio torto, meio coxo, nem consegui perceber, mas percebia-se que tinha sido um homem lindo, com altura e porte, ossatura da face bem definida, olhos magnéticos. Deveria ter tido aquele ar de quem caminhava sabendo o que queria, ou pelo menos, aparentá-lo, e agora estava ali, a guardar uma casa que não sentia vazia, mas sem mobília onde se possa viver. Agora tudo isso estava demasiado descoberto, não tinha caminho, mas tinha ainda uma beleza qualquer guardada, muda, mas familiar, como se o conhecesse de outras camadas. Chegou e abraçou-me disse-me qualquer coisa de eu não ter perdido o calor. Abraçou-me e uma paz cheia invadiu-me. Não percebi. O despertador, demasiado madrugador, também não. Deixei o sonho onde estava, vim-me embora, mas o abraço durou-me até agora. Até agora, só.
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Os sonhos por vezes são como a tradução para uma língua de coisas intraduzíveis de outra, gostei deste teu sonho Vi.
ResponderEliminarBom dia:)
Sim, os sonhos falam-nos de maneiras que só nós poderemos perceber, provavelmente. E eu percebi o que me queria dizer quando escrevi este texto sobre o sonho que tive e me ficou a mastigar durante o dia.
EliminarGostaste do sonho? :)) eu gostei do sonho, pela sensação que me deixou, com que acordei. Era uma sensação boa, plena, não sei explicar. Nem sei se o que escrevi faz sentir o que senti no sonho, era enigmático como tantos sonhos, mas falava alto nos sussurros :) E foi ao escreve-lo que me obriguei a ouvi-lo.