quarta-feira, 19 de dezembro de 2018


Do que eu tenho mesmo saudades, do que sinto mais falta, de quando eu era viva, é da vontade. Aquela vontade inteira e premente, urgente e permanente de alguém que queremos e iremos ter. Uma vontade que se acalenta devagar, até o poder encostar à parede e fazer-me engolir-me inteira pela boca dele. Ter-me inteira pelas mãos dele, pela pele, pela boca, e assim saber-me de cada canto que sou, sentindo-o, vibrando. Deixar a vontade correr a rédea solta, matando a fome de sede, enganando a sede com mais fome - que assim nenhuma nos mata, e nenhuma nunca se sacia, nos sacia, de nós, da vida, da vontade. Da vontade que corre nas veias, que é motor do coração, que o faz bater e ser, sem tempo, sem conjugação, sem passado e sem futuro, sempre, no infinito do agora que é presente de vida. 
O que me faz falta é uma vontade assim para acalentar, vontade para respirar e viver até tudo sucumbir à minha volta e o mundo se desmoronar na inexistência do que não é feito dessa vontade, desse querer, desse ter daqui a pouco esse muito, esse tudo que se consome todo sem cerimónia e não se gasta, porque a fome não se mata de sede, e a sede de fome não se engana com dias cinzentos, bebe-se da pele com pele. 
As paredes estão vazias. Deram-me como morta. 
O que sinto falta de quando eu era viva é da vontade de querer viver, que não cabendo em mim, era a minha medida perfeita. Vontade de respirar sem estar ligada à máquina duma vida mecânica, respirar por obrigação e não por convicção. Não ter por que respirar agora, se daqui a pouco não vou perder o fôlego nem descompassar o doido do coração a galope doutro coração.
Do que eu tenho mesmo saudades, do que sinto mais falta, de quando eu era viva, é de me sentir viva, sentir como se a vida valesse a pena - essa maluca impossibilidade, fé dos loucos.

4 comentários:

  1. E vale a pena Olvido. Vais chegar lá, mas tens que dar uma ajudinha.
    Muitos afectos nesta época e nos restantes dias do ano, é o que te desejo.
    Beijinho natalício :)

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    1. Vale, eu sei, mas nem sempre se sente assim.
      Beijo, Perséfone:)

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  2. É muito belo o que escreveu. Mas acontece-nos esse sentimento de nos sentirmos mortos. Mas não é só quando não temos alguém para nos ajudar a sentir vivos.
    ~CC~

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    1. Sim, verdade, mas é nessas alturas que mais sinto falta de vontade para tudo e qualquer coisa, e me lembro que já a tive. É como um motor que falta... essa coisa da vontade.

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