sexta-feira, 28 de outubro de 2016


Saramágica - chama-me ele porque me falta a pontuação, porque não sei pôr as virgulas, os pontos, os travessões, esses cruzamentos bastardos que são os ponto e vírgula... mas os pontos nos i´s não me falham. Sei que tem razão, que a cabeça se esquece de pontuar, que às vezes até se esquece de dizer como escrever o que passa a uma velocidade desnorteada, capaz de cruzar a mesma esquina duma ideia, em sentidos opostos, ao mesmo tempo. Tem vezes que até a mim me dá um nó cego nos sentidos, oriento-me pelos sentires - sempre - e tento deslaçar as palavras sem perder o laço, enquanto deixo, descuidada, cair as regras da pontuação, como quase todas as regras da vida nesta vida. Como hei-se agarrar a pontuação se estou afogueada a tentar não deixar escapar a essência, a ideia, a imagem, o que me aparece em monólogos internos e inteiros e inquietos. E tontos tantas - quase todas - vezes. Quero que me ensine, que me abrande sem me travar, que me ponha as vírgulas nas pontas dos pensamentos e nos momentos certos, que em dois pontos me declare o impossível, que me puxe as orelhas entre parênteses, que me perceba sem qualquer ponto e vírgula, que me sussurre sem travessões e me queira sem pontos finais. Não gosto de pontos finais, prefiro a magia dos ritmos que não sucumbem a pontos finais. posso gostar de pequenas pausas em que os recomeços não são fardados de maiúsculas de pompa e - principalmente - circunstância, (tão à moda, que gosto, do Hugo Mãe). Os parágrafos são-me difíceis, como todas as mudanças de tema, de história, de personagem, de mudança imposta que não cai no ritmo. No meu ritmo despontuado, desregrado e intensamente desregulado. Só os tolero se forem desculpa para descanso merecido depois de maratona ofegante, de história dentro da história, que nos prende o fôlego e faz correr galopante o sangue ao coração. Daquelas histórias que Saramago escreveria num parágrafo mágico, enorme, a que não faltaria ritmo, ainda que às vezes nos faça faltar o ar ( e tenho para mim que é quando nos falta o ar que melhor nos respiramos). Esses recomeços bons são continuações apaziguadas que adiam fins sem fim, sem perder o fio à meada, só o ar de vez em quando: como quando nos fazem exclamar de surpresa boa e nos fazem interrogar se a vida tem, ainda e sempre, nalgumas pessoas, luz dentro da escuridão. Dessa luz das searas que faz a vida acontecer nas suas mãos. Magia sem vírgulas.

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