domingo, 30 de outubro de 2016


Parei em frente ao portão fechado, oiço por trás de mim uma voz meiga a dizer: "fechou às cinco, amor". Virei-me, "..,às cinco? Não sabia, obrigada." Sorri por trás dos óculos escuros, dum sítio qualquer, a que respondeu "fala com o segurança, pode ser que ainda deixe entrar um bocadinho." Foi o que fiz, de flores na mão, margaridas rosa e aquelas flores brancas pequeninas de que, segundo a minha mãe, herdei da minha avó o gosto. Prometi serem só quinze minutos, que era rápido, como se naquele sítio a pressa não fosse um absurdo mais absoluto que a morte. Entrei pelos caminhos sossegados, dos lugares com flores novas, frescas, e dos outros, com a morte desabitada, quase abandonada, como se certas partidas não fossem o derradeiro abandono. Não critico quem não vela a morte pela visita. Os nossos mortos velam-se apenas pela presença diária duma ausência para a eternidade. Não são os que lá são desabitados que têm a alma esquecida, vivem enquanto nos estiverem nos dias, nas memórias, na repetição do que nos deixaram em momentos, em palavras, em pequenas eternidades embrulhadas em certos instantes que não se desvanecem.
Gosto de lá ir em dias de datas desassinaladas, ou das que eu assinalo, gosto de ir sozinha e sem ver gente, de estar sozinha com quem me deixou mais sozinha. Não consegui, não tive tempo de me sentar naquele banco, onde vejo o rio e o céu e o tempo de quem já não o vê. Não tive tempo para ter tempo com quem já esgotou o seu nesta terra feita chão onde outros caminham. Deixei as flores, mal arranjadas mas bonitas, as que gosto. Aquelas, que estas mãos arranjaram, mesmo que mal, num ramo que mistura o que sou, o que me fizeram, o que fiz do que me deixaram nas veias a correr. Parei cinco minutos a olhar pelo vidro, voltei a pôr os óculos quando o céu já não sabia do sol, fiz o caminho de regresso que para alguns já não é caminho, porque não há regresso. Há ausências de que não se regressa que nos acompanham para sempre o caminhar.

2 comentários:

  1. Ah, essas florinhas tão leves e delicadas,branquinhas ou cor de rosa...(na minha terra chamam se gipsofilas) também gosto muito!
    Deixa um vazio imenso a ausência física de quem amamos.Dizem que é a lei da vida mas continuo sentindo tanta saudade e a saudade dói tanto.
    Beijo
    nanda.
    (muito obrigada, querida Vi, toca-me de verdade a sensibilidade com que te expressas nos teus textos)

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  2. Sim, é isso: gipsofila. Adoro as brancas, a simplicidade, parecem lembranças de pequenos mimos :)
    Há ausências tramadas por irreversíveis, o nunca mais assusta demais quando se gosta, e deixa saudades que não se matam nem morrem.
    Obrigada, nanda, és uma querida, é bom ouvir isso :)
    Beijo
    Vi

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