Fui feliz muitas vezes com a perfeita noção disso, e da fragilidade disso, sabendo que estamos sempre à beira do abismo. Não me fez menos feliz ter essa lucidez, fez-me ter vontade de a agarrar melhor. De a aproveitar até onde não coubesse mais um alfinete de felicidade, aquelas sensações raras de plenitude. Nós sabemos quando as temos, há qualquer coisa cá dentro que se inunda de luz, e se expande e nos torna leves e tão bem no mundo, seja ele qual for. A nostalgia conjuga-nos estes momentos, este tempo, no passado, o que pode ser uma felicidade triste, ou uma tristeza feliz... acho que depende do que se recorda e o que se quer desse passado, repeti-lo ou guardá-lo, e se podemos ou conseguimos fazê-lo.
Gosto da palavra nostalgia. Há palavras de que se gosta, não sei bem a razão, acho que é a conjugação da sonoridade, do significado e da estética da palavra. Nostalgia é uma palavra elegante, alta e ainda assim suave. Há mais quem tenha palavras da sua eleição? Ou só eu é que tenho estas maluquices de ver as palavras quase como personagens? A saudade, por exemplo, é muito mais rechonchuda e anafadita, mas tem um ar menos sério e solene que a nostalgia? A saudade tem por vezes um riso gaiato no olhar. Gaiato, também gosto, é uma palavra meio despenteada. E ladina, o meu pai usa essa palavra algumas vezes, e eu gosto, acho-a atrevida, viva e ao mesmo tempo com um interior tranquilo, uma paz meio inquieta de vivacidade... é estranha esta coisa de se verem as palavras. Ou melhor é uma maluquice. Mas há maluquices engraçadas e inofensivas, vamos pensar que esta é uma delas ;)
[trecho dum mail enviado e que agora reli, deixo aqui esta parte, por causa duma palavra: ladina, uma palavra que tem o cheiro do meu pai, raízes nele, que associo sempre a ele. uma palavra que gosto, e guardo, também por isso. e hoje, porque o abismo me cerca e eu sei, fui pescar estas linhas onde falei nisso. onde ele também está sem saber.]