domingo, 9 de outubro de 2022


 Não ando a escrever, não me apetece, tenho muita preguiça, e nada que interesse muito dizer. Escrevo por dentro, em vozes que não se ouvem, mas que a mim raramente me largam. Largam-me enquanto trabalho, quando me sento no sofá a queimar neurónios em series que servem só para isso mesmo, largam-me, quase sempre e maior parte do tempo, quando me sento no tapete para o momento yogi do dia. Hoje tive companhia, dupla. No meio das reclamações de "sai de cima do tapete", "encolhe essas patas que estão em cima do tapete" ao "pára de me tentar lamber as orelhas"... deu-me para rir, para tirar fotos de cabeça para baixo, e para achar que o mundo visto assim - "de cabeça para baixo" - pode fazer sentido, é tudo uma questão de pontos de referência. Depois seguiu-se o brunch, já merecido, e o café no fim, enquanto pesquisava sobre um autor que não conheço mas de que comprei um livro ontem. Ia à procura de um livro da novo Nóbel, não havia e já estava com três livros na mão. Obriguei-me a escolher um. Escolhi aquele que achei que mais dificilmente o iria voltar a encontrar, ou lembrar-me de o procurar (assisti também a uma cena curiosa de alguém que procurava um livro pela capa, não sabia o autor, mas sabia os tons da capa, não sabia sobre o que era, mas tinha qualquer coisa russa... tinha-o visto há uns dias exposto e agora voltou para comprar... a capa aparentemente, porque de resto não sabia mais nada sobre o procurado livro). O livro - o que eu trouxe - tem o titulo "Yoga", e é de um autor francês, e não sendo sobre Yoga, aparentemente também é. O nome chamou-me a atenção. Fiquei curiosa acerca do autor e estava aqui a pesquisar criticas do dito livro. O autor é arrasado nalgumas críticas, outras nem por isso, certo é que não fiquei com grandes esperanças no livro, mas senti empatia pelo moço. Ao que me pareceu a pior crítica que lhe apontam, é escrever quase como uma forma de auto-canibalismo. Ou seja, escreve sobre o que viveu, o que sentiu o que pensa, o processo todo, parece-me. E acham isso demasiada exposição. Entendo, mas parece-me que todos o fazem, só o encobrem com enredos e ficcionam o que gostariam que fosse ou como deveria ter sido a história que nunca chegou a ser, assim isto é. E sim, reconheço o talento nesse processo, reconheço e admiro, rendo-me a ele, daí gostar tanto de ler. E gosto de ler pelo que me faz pensar e aprender através de vidas que não vivi. Seria diferente se fossem autobiográficos? Não sei, de facto não sei se seria diferente, mas talvez o talento necessário seja de facto diferente e outro e maior. Mas o pecado dele, portanto, é ser demasiado intimista, demasiado chegado à sua própria realidade, à sua vida. Eu não escrevo livros mas acontece-me só saber escrevinhar sobre o que sinto ou penso, sem grandes invenções à mistura. Escrevo porque às vezes preciso de libertar o que trago, outras vezes só porque gosto, porque gosto da sensação de mergulhar nesse outro mundo que são só os meus pensamento, palavras e um meio transe que deixa o mundo de fora. Mas é um estado que nem sempre lá chegamos, e que tantas vezes custa, porque mergulhamos para dentro, e nem sempre queremos encontrar o que não sabemos irá surgir no meio de frases sobre qualquer outra coisa. Há pontes inimagináveis nos nossos pensamentos cheios de sentimentos incrustados, está tudo misturado. Como fazer essa coisa de separar as folhas dos galhos, sem matar alguma coisa? Ou será esse o objectivo? Matar algumas folhas? Deixá-las ir com a nova estação e esperar novas e diferentes? Talvez. Não sei, sei que já me perdi nesses galhos labirínticos... Sei que comecei aqui a escrever porque olhei para o bule quando estava a aquecer a água que o chá iria receber... e estava lá, a olhar para mim "Be Awake to the Wonderful Moments" e eu achei que sim, que o meu brunch de hoje, sozinha entre os patudos da casa, depois de uma sessão de ioga onde alonguei também sorrisos à conta destas duas malucas que me seguem para todo o lado, era um momento desses. Achei que este Domingo está a ser bom, apesar da dor de cabeça com que acordei e a que neguei comprimidos. Bebi um café e fui para o tapete, não gosto de comprimidos, nem de médicos, nem de hospitais. Estou farta e cansada do cheiro a sofrimento, ao brilho do chão impecavelmente limpo com todas as sombras da morte. Se algum dia calhar eu ficar realmente doente, com uma daquelas doenças que ninguém merece, e só alguns têm dignidade para aguentar enquanto doentes e não desgraçados, aí certamente tomarei muitos comprimidos, se tiver juízo e não esperança, provavelmente todos de uma vez. E agora, que acabo de escrever isto, oiço os barulhos de latas e cantorias lá fora, é a latada dos miúdos. Qualquer dia, atrelada às latas tenho a minha filha, como se já não me cabesse no colo, como se de repente estivesse a uma lata de ter a lata de crescer e ser gente. Sem mim.
(e não faço ideia sobre o que raio escrevi, lá está, só coisas que me passam pela cabeça, só custa começar, depois as palavras puxam-se a si mesmas, falam por mim mas de coisas minhas, talvez uma especie de autofagia ou auto-canibalismo, dizem uns entendidos aparentemente... eles lá sabem)

3 comentários:

  1. No entanto, acabas por descrever um dia bem passado que te fez bem e aliviou a dor de cabeça. Como vês, ochá tem toda a razão. Alerta sim, mas para o que é bom. Beijinho e boa semana

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    1. Sim, o danadinho tem razão, parece :) Dei por mim a pensar que agora é nestes meus rituais que me deixo parar para as palavras, têm sido as alturas em que escrevo. Ou, então, talvez sejam rituais porque me obrigam a mergulhar em mim, lidar com esta minha essência que às vezes detesto tanto, outros abraço. Como um daqueles dias de Outono que às vezes apetece muito, que se curte muito e se sente tão nosso, outras só chateia a falta de luz quente e a rua a chamar por nós aos gritos de cor... enfim idiossincrasias... parvoíces, é o que é!

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    2. Falta de luz quente não tenho, onde vivo, estão perto de 30 graus mas falta de palavras , acho que também faço como tu, às vezes fujo das mesmas.

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