Continuo a dizer-me que não tenho o que dizer, mas as palavras às vezes parece que querem ouvir-se. Puxam-se umas às outras como crianças na hora do recreio, e tudo vai saindo não sei de onde, para dizer não sei o quê. Tenho palavras, frases que me surgem do nada, agora repetidamente. Durante muito tempo treinei-me para as dizer para dentro, para as aprender e prender ao esqueleto, para que eu não andasse sem elas coladas a mim momento nenhum. Nenhum. Agora, agora sem eu as chamar elas chamam-me, e dizem-me coisas que agora já sei, mas não quero voltar a saber. Não quero ouvir. Não quero voltar a constatar o desamor, o amor que nunca foi, a entrega a um ausente que nunca foi presente, o tempo que correu e não saiu do sítio. Não quero lembrar quando não fui amada, não quero lembrar o que foi mentira duma verdade inexistente. Não quero lembrar que fui tua por anos, e por anos depois não deixei de o ser. Não quero lembrar. Mas as palavras não me deixam. Não sei quem as traz ou o quê, que isco os dias trazem, os calmos e os apressados, para tantas vezes pescarem essas frases que deixam por dentro da minha boca um passado apodrecido, onde tantas vezes, demais, semeaste beijos que não cresceram nunca em ti. E por aí morro devagarinho nos dias claros ou cheios de nuvens. E onde antes me obrigava a dizer as palavras para me lembrar, para te afastar mal a ideia de ti me assomasse, agora afasto-as para não me perseguir um passado que não quero entranhado nos ossos, emaranhado nos passos. Preciso do esqueleto para caminhar para longe do que não cheguei a ser, do que não serei, do impossível de ser. Preciso da distância possível do impossível que esgravatei com a força do crer. Nunca soube usar o que tinha. Sempre achei que chegando, não é preciso usar nada, só ser. O resto, se existir, aparece; se não, o querer não o cria, é impossível forçá-lo, quanto muito imita-o, engana, brinca ao faz de conta. Mas uma vida de faz de conta, conta para quê? para quem? Para mim, não.
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