Acordo com a dor de cabeça da praxe. Sinto a cabeça pesada como o cinzento que cobre o céu e o puxa para os ombros da terra. Tem sido assim nos últimos dias, passa depois de tomar o café e o tempo assentar no dia que começa. Hoje, além do dia de ontem ter acabado só depois das oito da noite no trabalho, ainda sonhei com trabalho. Têm razão. Eu agora é só trabalho. E casa, e pouco mais. Mas tem de ser mais. Hoje vou tentar recomeçar esse mais, esse pouco mais. Cortar no trabalho (prometo-me tentar a partir de agora... e já me lembrei que à tarde vou ter de ligar o computador e fazer coisas...) e voltar a querer tempo para mim. Para me aproveitar, a minha companhia, falar com o meu por dentro outra vez. Não viver a correr, sem sequer fazer planos, e não fazer só planos, vivê-los. Voltar a passear por aí no sossego das paisagens, às vezes com a miúda, outras com a tracção às quatro patas, outras sozinha, como hoje. Não sei explicar porquê, mas andei a adiar voltar a passear sozinha. Talvez a pandemia me tenha habituado a ficar em casa, e achar isso confortável. Dizem-me que sou das pessoas que melhor deverá ter lidado com o confinamento, e eu tendo a concordar... não me fez grande mossa, fiz o que já fazia e gosto de fazer, só que em casa: ler, ouvir música, escrever (cada vez menos), devorar séries, apanhar sol quando o há, aproveitar o sossego, e na pandemia as ruas andavam tão sossegadas. Quando passeava a cadela à noite era um sossego e uma tranquilidade, só às vezes ensombrado por alguma sensação de eventual insegurança tal chegou a ser o deserto das ruas. Só as razões para tudo isto eram más, e a paisagem e os caminhos não se comparam com os que aproveito quando vou sozinha uns dias por aí. O serpentear das estradas nacionais para qualquer lado, o mar que espreita tantas vezes, descobrir alguns sítios quase vazios (e hoje não saber voltar se quiser), parar onde quiser se quiser e quando quiser. Comer um peixinho grelhado numa esplanada vizinha do mar, se o sol convidar. Sentar-me a olhar o horizonte que parece infinito para me sentir pequenina. Sei lá, tanta coisa que já fiz e tenho saudades. Tenho às vezes saudades de mim. Mas algo me andava a prender os passos, o primeiro passo talvez. É sempre o que custa mais, o começar, o arrancar, um principio de qualquer coisa. E hoje vou, à tarde, depois de almoçar com a minha miúda, já estar de olhos postos no meu olhar a sul, como quem deixa o resto e ruma a si. Levo três livros: poesia da Pizarnik, Al Berto para petiscar e o Kundera que comecei e não continuei. Olho para isto e penso que esta escolha é um jogo de espelhos comigo, talvez para me lembrar que eu sou várias coisas, e que me fazem falta, por muito que as tente enterrar debaixo de horas de trabalho, e de outros eus também meus.
Vou, levo música, três livros, um olhar cheio de vazios, e só levo quem me está dentro. E levo gente a mais, ainda assim me confesso. Raio de penduras :))
Vou, levo música, três livros, um olhar cheio de vazios, e só levo quem me está dentro. E levo gente a mais, ainda assim me confesso. Raio de penduras :))
Excelente! Adorei!
ResponderEliminarTalvez por nos últimos tempos também me sentir assim. É pena que diga que escreve cada vez menos.
Olhe, mande os penduras pela janela e eles que se orientem!
Eu vou tentar no fim-de-semana vir á tona e sacudir o marasmo.
Bom fim-de-semana!
Um abraço do Algarve,
Sandra Martins
Obrigada, Sandra! Bom fim‑de‑semana, vamos lá sacudir o marasmo dos dias :))
EliminarAqui o silêncio é sublime... menos quando é interrompido por um javali... a uns metros de distância, que nos faz recolher a casa :))
Bem vinda, Sandra
Viver um dia de cada vez, e com moderação;)
ResponderEliminarBom fim de semana Vi, e como música ouve esta: https://youtu.be/yG7334OWRkg
Bom fim‑de‑semana, legionário :))
EliminarObrigada pela música! Sabes acho que todos queremos é viver, sobreviver é para os fortes, e eu, eu só fraca só quero é viver! Sobreviver é duro e rói a alma... e as almas não se querem roídas...