Há coisas que só são estúpidas
quando lhes tentamos atribuir uma razão.
Sai-se ainda de dia do trabalho agora, e apetece mais o hábito de fazer a ponte entre o trabalho e a noite, esticar as margens enquanto se fuma um cigarro ou dois. Então dá-se rumo a esse desejo e a um pedaço de silêncio. Olhamos as nuvens no horizonte, e do por do sol aprisionado imaginamos as cores quentes de que se gosta o céu pintado. As árvores abanam-se na sua dança do vento e a janela semi aberta deixa entrar o som dessa dança que nos dança nos ouvidos. Não é o meu Alentejo mas dá uma certa paz, e devolve-nos algum tempo. Algum não vem ser memórias, mas estão talvez apaziguadas, inofensivas quiçá.
Está um frio de rachar, nem com a manta a coisa se torna mais amena. As luzes apagadas aqui e lá em cima. Oiço música ao longe, parece que há uma discoteca por aqui... surpreendo-me como se tal fosse surpresa. Escuto e há outros barulhos que não o sr. Javali a fuçar a poucos metros como ontem, e que não consigo identificar. Fumo um cigarro e vou para dentro. Já são horas é amanhã há regresso duma estadia demasiado curta. Ficava aqui mais uma semana assim. Dizem-me que se algum dia me mudasse mesmo para um destino destes me fartaria, me cansaria depressa, mas quanto mais venho menos acredito. Quanto mais me conheço mais aqui me quero. Assim, longe de tudo perto do que apetece e posso ter. Mesmo que assim, de fugida mas com pé no regresso. E se não o pé, a alma.
Cá fora, enrolada numa manta, olho para cima, acima de mim está uma pinha que não tarda me cai na pinha venha o vento de feição e intenção. Ao longe oiço cães a ladrar enquanto carros passam a rasgar os barulhos da noite, que são silêncio. Este silêncio dos sítios de sossego, de lonjura, de tranquilidade doce. Daqui a uma hora as luzes daqui de fora desligam, vão dormir, os carros também. Os cães provavelmente continuarão a ladrar. Eu provavelmente aqui estarei outra vez, o olhar de soslaio a pinha que me quer acertar na pinha. Ao longe a tocha enorme continuará a queimar e a iluminar o horizonte, ainda que escondida por trás dum manso pinheiro. Assim são as coisas. E as metáforas que tão bem lhes assentam.