sábado, 22 de setembro de 2018


“- Há letras inúteis e letras dispensáveis - dizia ele. - Que serviço diverso prestam o “d” e o “t” ? Têm quase o mesmo som. (...) Veja os algarismos: não há dois que façam o mesmo ofício; 4 é 4, e 7 é 7. E admite a beleza com que um 4 e um 7 formam esta coisa que se exprime por 11. Agora dobre 11 e terá 22; multiplique por igual número, dá 484, e assim por diante. Mas onde a perfeição é maior é no emprego do zero. O valor do zero é, em si mesmo, nada; mas o ofício deste sinal negativo é justamente aumentar. Um 5 sozinho é um 5; ponha-lhe dois 00, é 500”

Machado de Assis, in Dom Casmurro

Às vezes coisas sem grande nexo ou sentido aparente, entram na minha cabeça de outra maneira, como se atrás do que não diz nada se dissesse alguma coisa, alguma coisa tão clara que se deveria ver. Mas nem sempre vê. Nem sempre vemos o que temos à frente, ou ao lado. Podemos olhar, ou ler, mas ver mesmo, nem sempre vemos. 
Não sei se vi todas as pessoas que por mim passaram, vi algumas, sei que poucas ou nenhuma me viram. 
Mas o que fiquei a pensar, e  me fez fechar o livro, é como é triste viver (ou apenas conviver, ou até só trabalhar) com alguém que nos vê como zero, e não perceber que ao lado de quem (realmente) valha alguma coisa, juntos, se podia valer tanto, ser tanto... é que olharem e verem um zero é nada, mas verem o quanto juntos se pode ser, é também acharem-se no outro. Valerem com o outro num ganho que só fazem juntos.
Há muita gente a achar-se um zero porque são tratadas como valendo nada, um dia percebem que podem servir (ou que têm servido sem perceber) para aumentar os outros, e quando crescem só o aceitam se forem vistos como par. Não como ferramenta ou utilidade.

O zero pode ser nada, mas pode ser aquele pequeno nada que torna um num milhão.

[e agora vou ali ao rio refrescar a alma que o sol ferve no corpo... adorei aquele spot. Não gosto de repetir sítios onde fiquei, mas este sou capaz de um dia abrir uma excepção...]

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