Estou tão preguiçosa de escrever. Não me apetece, penso nisso e deixo esse pensamento pousado nalgum sítio a ganhar pó, há coisas em que penso, outras que sinto, e que noutras alturas dariam coisas escritas. Agora não me apetece, as palavras são demasiado líquidas para as tentar agarrar, seria preciso muita paciência, muita vontade de pôr preto no branco, ou branco no preto - de me desfiar e discernir. Mas não sinto essa necessidade, como se sentisse que não tenho em mim já nada para discernir, compreender ou dizer. Como se eu estivesse concluída. Feita, resolvida. Não sei, qualquer coisa com uma sensação fechada, de escuridão cerrada que já nem se fere com a luz, ou de luz que sabe das sombras e as aconchega. Estou meia apática e quase paralisada, não sinto grande coisa e não me mexo para lado algum. E parece uma benção. Estranhamente abençoada é como me sinto. Tenho a sensação de estar a conseguir viver a vida só em partes de mim, plenas em si mas esquartejadas dum todo, como se algum fecho estanque tivesse descido e produzido um clique. Como um fecho de segurança (realmente, por segurança, talvez, agora que penso nisso). Era isso ou enlouquecer. Mais ainda.
E comecei a escrever, aqui, hoje, porque dei por mim a pensar no último livro que li, e a esplanada onde o li nalgumas manhãs, e faltaram-me as palavras onde soletrar essa tranquilidade dos barquinhos que me navegavam o olhar parado. E o livro, tanto que me fez pensar, na importância dos erros, ou melhor, na total irrelevância dos erros. Porque não há justiça, não há o reparar erros, não há significados implícitos ou truncados nas asneiras que fazemos, mesmo que as façamos de coração. Não, nada disso, tal como não há castigos. Há vida e os erros são meros passos, tal como todos aqueles que não são. Têm consequências relevantes uns, outros não - sendo erros ou não. Justiça não há, a lógica é totalmente inexistente, não nos prendamos a isso, e não entendamos o que nos acontece como castigo ou como significante, porque não há justiça, logo, não há castigos nem um qualquer equilíbrio devido ou por devir. Há vida. Mais nada. Há vivê-la, se tanto conseguirmos. Mesmo que só em partes de nós. Como eu. Agora. Porque isto é tudo uma brincadeira, e tão bem Kundera mo mostrou.