[foto de Jacon Sutton]
"O mundo é só o chão que pisamos, o resto somos nós" - foi uma das frases que escrevi, e a última que disse quando me pediram as impressões daquela experiência, que pediram para repetir para poderem apontar e ficar, depois de andar pela sala de olhos fechados o mais lentamente que conseguíssemos. E é giro, tudo é diferente quando fechamos os olhos. Temos de reaprender a andar, e aceitar o baloiçar do corpo hesitante como um navegar do tempo desconhecido, do futuro, do passo seguinte. Estou num ponto estranho da minha vida, a dias de voltar a trabalhar, de extinguir o meu posto de dondoca, sem qualquer vontade e com a angústia de pensar que não o deveria fazer já, que preciso de mais tempo, que preciso ainda de me ajustar a muita coisa, de reaprender a andar. Pensei que teria pelo menos dois meses antes de começar a procurar, mas ao invés, vieram à minha procura, muito tempo antes de eu esperar... e por isso esta experiência em que mergulhei nos primeiros dias de liberdade ficam agora meio desamparados, como eu. Há alturas na vida em que começamos a procurar coisas diferentes, ou que julgamos diferentes, e descobrimos que afinal têm muito de nós. O yoga entrou devagarinho nas minhas rotinas, mas tinha o condão de me voltar para dentro, ao mesmo tempo que me calava os diálogos interiores, e isso dava-me paz, descanso de mim. Fiz do yoga uma actividade exigente em que tudo requer atenção, o alinhamento, a posição, o alongamento que devemos sentir, os musculos que ficamos a conhecer e não sabíamos da existência, e isso tudo não deixa espaço para outras vozes - e percebi que era a altura em que habitava mais, mais do meu corpo. Em que tinha mais consciência de cada recanto meu, e do que perdemos no meio do uso diário de nós mesmos. Então embarquei nesta coisa de saber mais, por curiosidade, por vontade, por responsabilidade também... para saber o que ando a fazer, porque sozinha e em casa, sem conhecimentos suficientes, posso magoar-me sem saber como (e já aconteceu andar com uma dor de costas mais de um mês à conta disso mesmo). E agora, depois do primeiro fim de semana de formação em meditação e pranayama, sinto-me meio perdida, talvez até meio na direcção errada. Mas a vida não se compadece de nós, e não espera por nos desenvencilharmos de nós mesmos, de nos resolvermos, de parar a vida, até que possamos acompanhar o ritmo e os dias... daqui a três dias começo a trabalhar e vou ter de encaixar tudo, e vou ter de ser toda em cada coisa. Ainda não sei como me vou fazer, ou aos dias, ou à cabeça que deve comandar as coisas se ainda mal se aguenta com tanta coisa que aconteceu durante tanto tempo, e só agora pareço perceber isso. Depois penso o que diria meu pai de tudo isto... ou até a minha mãe se fosse possível uma conversa... e não sei. Mas sei que teria tanta curiosidade quanto eu em relação a muita coisa, e isso aquieta-me, mas não me reduz a angústia, o peso, o medo. Esse medo de caminhar devagar, descalça e de olhos fechados, que obriga a reaprender equilíbrio, a contar passos para me orientar, a levar as mãos esticadas à frente para saber ao que vou e amortecer os choques... mas sempre esta sensação, de que o mundo, o lá fora é só o chão que pisas, o resto é tudo cá dentro, e não tem de ser escuro. Mas baloiça como os barcos a ajeitarem-se às ondas do mar. Como uma dança de que não conhecemos a música, onde só o corpo e alma são instrumento para tocá-la e dançá-la.
Nessa complexidade simples de não haver como tocá-la sem dançar, nem dançá-la sem a tocar.
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