Há realmente alguma coisa reparadora no silêncio da natureza. Um silêncio que não é oco, não é vazio, é cheio de uma vida que nos enche, que nos repara, que nos recupera. Foram três noites e não deu para tudo o que queria, ou como queria. Ficar doente sabe deus com quê não ajudou, mas deu-me sono e dormi, fiz yoga quando me apeteceu com os olhos a alongarem também até ao horizonte. Ouvi musica enquanto cozinhei, li enquanto os olhos não se quiseram fechar. Tudo num ritmo muito próprio, muito meu, muito sem horas. As noites na serra são frias e o céu tirita de estrelas que não conseguimos contar, nem queremos. O calor da cama conforta e aninha, enquanto os olhos se distraem pelas janelas abertas à paisagem, com as luzes da vila ao fundo, qual presépio fora de época. E a cabeça vagueia não se sabe por onde, mas volta a nós e devolve-nos, porque não há ali mais ninguém, só nós e quem trazemos dentro. Só nós e as recordações. Só nós e os sonhos. Só nós e o que nos faz, e nos fez. E a Pintarolas, claro, que atrevida elegeu um sofá de baloiço para cama mesmo em frente à janela.
O que custou foi o regresso, e pensar no que se aproxima, no tempo que afinal não vou ter como pensava, que tudo se acelerou, que o tempo encurtou. Que a dondoquice está em perigo de extinção desde o telefonema com uma proposta, que a consciência manda aceitar porque é aliciante, e porque dondoquice não é opção de vida, por muito que me apetecesse (e precisasse) mais tempo de descanso, de reorganização, de ordenar ideias e interiores remexidos demais. Vamos ter menos tempo para fazer o que pensávamos fazer em mais, vamos ter de esticar tempo e dias para fazer tudo o que queríamos, projectos novos, facetas de nós que queremos descobrir se são nossas mesmo. Para explorarmos caminhos em nós que não sabemos ainda onde vão dar. E escrever, obrigar-me a sentar e vencer a preguiça de me desenovelar, de me desenterrar dos escombros dos últimos tempos. E aprender, aprender mais coisas, porque aprender também alimenta. E pensar em voltar. Em voltar a nós, não aqui, mas a qualquer lugar onde consigamos estar presentes, onde a alma tem um corpo perfeitamente seu, que habitamos verdadeiramente, numa plenitude que só certo silêncio compreende, e explica.
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