sábado, 29 de outubro de 2022







Tenho tido sorte com os sítios que escolho. Este foi outra boa escolha. Confortável atento aos pormenores, tudo de acordo com o contexto e a função. Conforto e simplicidade, bom gosto e estar com pinheiros à volta e com o mar a ouvir-se a fundo,  faz apetecer voltar, mas até hoje não repeti nenhum sítio. Curiosamente eu que em quase tudo quando encontro algo que me encante e encha as medidas não gosto de arriscar ou de mudar para uma coisa que poderá vir a ser uma porcaria qualquer, nestes  sítios que escolho para fugir do mundo, não o faço, gosto de descobrir outros lugares para ficar. E talvez também sirva para tirar ideias para um dia... se calhar é isso... 
Apesar de mal termos saído de casa com a chuva permanente, a praia fica a 10 minutos a andar... e que praia, dunas maravilhosas, um areal extenso, e melhor que tudo, a única caminhada que fizemos não vimos vivalma, tivemos o areal todo para nós, a Pintarolas andava louca a correr para trás e para a frente à volta de sei lá o quê, a contornar as dunas e os dias de cidade. Quando começou a pingar começámos logo o nosso regresso, mas os ultimos cinco minutos, ainda que a correr, encharcaram-nos até ao ossos, as calças de ganga torci-as quando as despi... depois não voltámos a sair de casa, só chuva da pouco meiga, e depois trovoada. Ficámos sem luz a partir das cinco e tal. Pus-me à janela a ler, a pintarolas a vigiar a porta, e a certa altura... a treinar estoicamente o auto controlo :DD enquanto o sacana do gato parecia que lhe gozava o focinho... enxotei-o em nome das boas relações de vizinhança e porque não gosto de snobs armados ao pingarelho... depois caiu-lhe a pose toda, mais unhas e dentes houvesse... mas isso foi mesmo há bocado e há registo... e a Pintarolas ainda ouviu, não pode andar assim atrás dos vizinhos... mas por dentro sorri-me, e ela sabe.

quinta-feira, 27 de outubro de 2022


 Hoje sonhei com coisas antigas, talvez por isso a minha cabeça escolha vezes sem conta - em modo repeat mesmo -, povoar o silêncio com o refrão de "Love me two times, I'm going away"...  distraio-me e pimbas, lá me aparece outra vez por dentro do que não falo, nem digo, nem converso no silêncio da casa, enquanto arrumo as coisas, a música... Gosto da música, sim, mas não tanto que sempre me venha parar à boca pelo lado de dentro. Haverá outras coisas que, sem dar conta, a põem lá. Hoje sonhei com coisas antigas, ou melhor, com pessoas antigas vistas com os olhos de hoje, mas não gostei, não paguei aquele bilhete, não pedi aquele filme, porque raio mo puseram na tela do sono? porque da tela dos sonhos não consta... também não foi um pesadelo, foi só um irritante. Curiosamente, lembro-me agora, no filme uma moça cabeluda dizia-me que eu tinha uma voz irritante, concordei com ela, até, se calhar sim, mas melhor a voz que o que se diz, não? Aquele irritante de rilhar os dentes pela estupidez ouvida, sabem? Prefiro as vozes irritantes que se podem tornar companhias nada irritantes, digo eu. E o filme não tinha banda sonora... apercebo-me agora.... "Love me two times, one for tomorrow, one just for today, Love me two times,  I'm going away" ... não sei por que raio hoje me deu para aqui, ou à minha cabeça... às vezes ela acha que é independente, a sacana. Em mim devem haver coisas independentes a mais, porque o pior é que não são todas independentes no mesmo sentido e cada um acha que manda.... a cabeça acha que manda e diz uma coisasem querer saber de mais nada, a alma sabe que manda e pensa outra, à revelia do que se opuser... e valhamedeus tantas vezes não sei por onde ir, cansada de todo e só a querer sossego na cabeça e na alma... com as emoções a cantarem coisas que não entendo, e ora me acordam ora me adormecem. Mas o que melhora sempre é a distância, e o caminho para lá chegar, o carro a deslizar na estrada, a viver cada curva e a esticar cada recta, e a música do entretanto. "Love me two times, baby,  I'm going away"

(talvez ouvindo ela desapareça...)

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

[foto @alongruber]


Há verdades que só o são se forem biunívocas, verdade para os dois extremos. Ser uma verdade e um engano, não; ser uma verdade e um erro, não; ser uma verdade e uma mentira, não. Já de duas mentiras, pode às vezes extrair-se uma verdade inteira - e não é raro para quem souber ver. Ser verdade inteira apenas num dos lados, quando houver dois, é não ser verdade, é uma verdade a meio caminho de existir. E não há nada que exista a meio caminho de ser. Não há o quase ser. Simplesmente não é. É assim com a amizade, é assim com o Amor.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

 E no primeiro dia de férias do trabalho mas primeiro senoutes trabalhos, na loja do cidadão, enquanto analiso a distância entre o número que tenho na mão e o número atendido sinto uma olhos observadores. Certo que vejo cada vez pior ao longe , e ao perto também mas isso há menos tempo… vejo um personagem que não via há muito. Era dono de um café onde ia muitas tardes estudar. Tomava café, lanchava e as vezes voltava a lanchar, nos entretantos mergulhava nos livros. Ele era simpático, e giro que se farta, e além disso acho que engraçava comigo, com as minhas respostas prontas, o sarcasmo ou o sentido de humor. E era recíproco. Eu engraçava com ele. Com talvez mais 15 anos que eu, ou perto disso, não sei e nunca me interessou, mas que sempre lhe achei piada, achei. E hoje também. Ele teconheu-me logo,  eu tive um pequeno delay, mas também lhe reconheci logo o sorriso, os olhos. O ar de galã meio traquina, mas sempre na dele. Era um bónus que não estava à espera, aqui na loja do cidadão, às nove e meia da matina, entre a senha da EDP e as Águas… mas soube-me bem. O sorriso largo, o cumprimento pronto, o olhar onde não vi os anos que passaram, e foram muitos. Vieram-me as tardes de estudo, os sonhos do que ainda podia ser, a música que ia passando durante a tarde, a esplanada quando tinha sol. E aquele homem, as vezes, por trás do balcão. Agora ali. Reconheci-o também pelos olhos, pelo olhar. Mas o que ele viu pareceu-me diferente. Estarei muito diferente, a ele achei-o na mesma, com mais… faço as contas talvez mais de 25 anos… como me viam há mais de 25 anos? O que viam? Como terá sido aquela vida estes 25 anos? Já não tem o café há muitos, isso eu sei, do resto não sei. De mim não saberá nada, talvez apenas que precisei de alguma coisa no balcão das águas… do balcão dele só sei que há 25 anos era onde eu ia pagar a conta… e ele as vezes dizia, com aquele sorriso malandro disfarçado, que tinha de ter quota quando o nosso futuro brilhante chegasse, tantas eram as horas que lhe ocupávamos as mesas. O futuro chegou mas o dia está tão enevoado… devia ter-me sentado ao lado dele e conversado. Para a próxima não hesito.

sábado, 22 de outubro de 2022

 Continuo a dizer-me que não tenho o que dizer, mas as palavras às vezes parece que querem ouvir-se. Puxam-se umas às outras como crianças na hora do recreio, e tudo vai saindo não sei de onde, para dizer não sei o quê. Tenho palavras, frases que me surgem do nada, agora repetidamente. Durante muito tempo treinei-me para as dizer para dentro, para as aprender e prender ao esqueleto, para que eu não andasse sem elas coladas a mim momento nenhum. Nenhum. Agora, agora sem eu as chamar elas chamam-me, e dizem-me coisas que agora já sei, mas não quero voltar a saber. Não quero ouvir. Não quero voltar a constatar o desamor, o amor que nunca foi, a entrega a um ausente que nunca foi presente, o tempo que correu e não saiu do sítio. Não quero lembrar quando não fui amada, não quero lembrar o que foi mentira duma verdade inexistente. Não quero lembrar que fui tua por anos, e por anos depois não deixei de o ser. Não quero lembrar. Mas as palavras não me deixam. Não sei quem as traz ou o quê, que isco os dias trazem, os calmos e os apressados, para tantas vezes pescarem essas frases que deixam por dentro da minha boca um passado apodrecido, onde tantas vezes, demais, semeaste beijos que não cresceram nunca em ti. E por aí morro devagarinho nos dias claros ou cheios de nuvens. E onde antes me obrigava a dizer as palavras para me lembrar, para te afastar mal a ideia de ti me assomasse, agora afasto-as para não me perseguir um passado que não quero entranhado nos ossos, emaranhado nos passos.  Preciso do esqueleto para caminhar para longe do que não cheguei a ser, do que não serei, do impossível de ser. Preciso da distância possível do impossível que esgravatei com a força do crer. Nunca soube usar o que tinha. Sempre achei que chegando, não é preciso usar nada, só ser. O resto, se existir, aparece; se não, o querer não o cria, é impossível forçá-lo, quanto muito imita-o, engana, brinca ao faz de conta. Mas uma vida de faz de conta, conta para quê? para quem? Para mim, não. 

terça-feira, 11 de outubro de 2022

[foto @nicoladavisonreed]
Meu,
Teu, 
Numa trança. 
Cortámos a trança 
Com lâmina afiada
Mas ainda me aparece 
No bolso 
Do tempo parado 

Na correria de qualquer dia 

Tantas estações depois,

Tu, eu. 

Dois e um bolso,

Cheio de nadas entrelaçados 

Duma trança que já não é tua,

nem minha.

Que raio faz no meu bolso?


[vi esta fotografia, o semáforo onde a seguir parei deixou cair as palavras. Não sei de onde. Deviam estar num bolso e eu não sabia. Talvez há muito tempo, talvez só desde que o preto e branco da foto me acordou a retina. Não sei. Não importa. As palavras surgem-me, às vezes ainda as tento agarrar a tempo de não fugirem completamente. Outras deixo que fujam, noutras até quero.]

domingo, 9 de outubro de 2022


 Não ando a escrever, não me apetece, tenho muita preguiça, e nada que interesse muito dizer. Escrevo por dentro, em vozes que não se ouvem, mas que a mim raramente me largam. Largam-me enquanto trabalho, quando me sento no sofá a queimar neurónios em series que servem só para isso mesmo, largam-me, quase sempre e maior parte do tempo, quando me sento no tapete para o momento yogi do dia. Hoje tive companhia, dupla. No meio das reclamações de "sai de cima do tapete", "encolhe essas patas que estão em cima do tapete" ao "pára de me tentar lamber as orelhas"... deu-me para rir, para tirar fotos de cabeça para baixo, e para achar que o mundo visto assim - "de cabeça para baixo" - pode fazer sentido, é tudo uma questão de pontos de referência. Depois seguiu-se o brunch, já merecido, e o café no fim, enquanto pesquisava sobre um autor que não conheço mas de que comprei um livro ontem. Ia à procura de um livro da novo Nóbel, não havia e já estava com três livros na mão. Obriguei-me a escolher um. Escolhi aquele que achei que mais dificilmente o iria voltar a encontrar, ou lembrar-me de o procurar (assisti também a uma cena curiosa de alguém que procurava um livro pela capa, não sabia o autor, mas sabia os tons da capa, não sabia sobre o que era, mas tinha qualquer coisa russa... tinha-o visto há uns dias exposto e agora voltou para comprar... a capa aparentemente, porque de resto não sabia mais nada sobre o procurado livro). O livro - o que eu trouxe - tem o titulo "Yoga", e é de um autor francês, e não sendo sobre Yoga, aparentemente também é. O nome chamou-me a atenção. Fiquei curiosa acerca do autor e estava aqui a pesquisar criticas do dito livro. O autor é arrasado nalgumas críticas, outras nem por isso, certo é que não fiquei com grandes esperanças no livro, mas senti empatia pelo moço. Ao que me pareceu a pior crítica que lhe apontam, é escrever quase como uma forma de auto-canibalismo. Ou seja, escreve sobre o que viveu, o que sentiu o que pensa, o processo todo, parece-me. E acham isso demasiada exposição. Entendo, mas parece-me que todos o fazem, só o encobrem com enredos e ficcionam o que gostariam que fosse ou como deveria ter sido a história que nunca chegou a ser, assim isto é. E sim, reconheço o talento nesse processo, reconheço e admiro, rendo-me a ele, daí gostar tanto de ler. E gosto de ler pelo que me faz pensar e aprender através de vidas que não vivi. Seria diferente se fossem autobiográficos? Não sei, de facto não sei se seria diferente, mas talvez o talento necessário seja de facto diferente e outro e maior. Mas o pecado dele, portanto, é ser demasiado intimista, demasiado chegado à sua própria realidade, à sua vida. Eu não escrevo livros mas acontece-me só saber escrevinhar sobre o que sinto ou penso, sem grandes invenções à mistura. Escrevo porque às vezes preciso de libertar o que trago, outras vezes só porque gosto, porque gosto da sensação de mergulhar nesse outro mundo que são só os meus pensamento, palavras e um meio transe que deixa o mundo de fora. Mas é um estado que nem sempre lá chegamos, e que tantas vezes custa, porque mergulhamos para dentro, e nem sempre queremos encontrar o que não sabemos irá surgir no meio de frases sobre qualquer outra coisa. Há pontes inimagináveis nos nossos pensamentos cheios de sentimentos incrustados, está tudo misturado. Como fazer essa coisa de separar as folhas dos galhos, sem matar alguma coisa? Ou será esse o objectivo? Matar algumas folhas? Deixá-las ir com a nova estação e esperar novas e diferentes? Talvez. Não sei, sei que já me perdi nesses galhos labirínticos... Sei que comecei aqui a escrever porque olhei para o bule quando estava a aquecer a água que o chá iria receber... e estava lá, a olhar para mim "Be Awake to the Wonderful Moments" e eu achei que sim, que o meu brunch de hoje, sozinha entre os patudos da casa, depois de uma sessão de ioga onde alonguei também sorrisos à conta destas duas malucas que me seguem para todo o lado, era um momento desses. Achei que este Domingo está a ser bom, apesar da dor de cabeça com que acordei e a que neguei comprimidos. Bebi um café e fui para o tapete, não gosto de comprimidos, nem de médicos, nem de hospitais. Estou farta e cansada do cheiro a sofrimento, ao brilho do chão impecavelmente limpo com todas as sombras da morte. Se algum dia calhar eu ficar realmente doente, com uma daquelas doenças que ninguém merece, e só alguns têm dignidade para aguentar enquanto doentes e não desgraçados, aí certamente tomarei muitos comprimidos, se tiver juízo e não esperança, provavelmente todos de uma vez. E agora, que acabo de escrever isto, oiço os barulhos de latas e cantorias lá fora, é a latada dos miúdos. Qualquer dia, atrelada às latas tenho a minha filha, como se já não me cabesse no colo, como se de repente estivesse a uma lata de ter a lata de crescer e ser gente. Sem mim.
(e não faço ideia sobre o que raio escrevi, lá está, só coisas que me passam pela cabeça, só custa começar, depois as palavras puxam-se a si mesmas, falam por mim mas de coisas minhas, talvez uma especie de autofagia ou auto-canibalismo, dizem uns entendidos aparentemente... eles lá sabem)