sábado, 16 de fevereiro de 2019

"Um sol branco e desapaixonado brilhou lá no alto, no céu. Na altura, desejei afiar-me nele até me tornar santa e esguia como a lâmina duma faca."

Sylvia Plath, in A Campânula de Vidro

Comprei este livro na Feira do livro em Lisboa, quando lá passei durante o ano passado, vi-o e não hesitei, tinha há muito curiosidade pelo livro, e curiosamente, algum receio. Sabia pelo que havia lido que era autobiográfico e pelo que sei da vida dela, seria por isso um livro, não só pesado e denso, mas com muitas probabilidades de me tocarem de formas e em sítios que prefiro deixar quietos não desbravar. Quando comecei a lê-lo surpreendeu-me, era leve, fácil, corrido. A única página que foi dobrada foi aquela onde esta frase estava, porque li-a e vi, transparente, o suicídio onde ele, na história, ainda não se apresentava. Mas li, claro como água, expresso duma forma extraordinária, que descreve tão bem, tão nitidamente, uma dor que não deixa respirar, como um punhal de lâmina fina na alma da carne, o mesmo que matará o inferno de não conseguir, nem querer viver, assim.
O livro parece, de repente, mais à frente, descambar por completo, sem que consigamos identificar exactamente o porquê (ou eu não consegui, isto é)  o que aconteceu, para de repente, duma vida assente numa relativa normalidade, se cai num carrossel onde é o suicídio - ou a ideia dele - a única força motora. Fiquei a pensar se a vida será assim, tudo normal até um ponto, a partir do qual tudo se precipita num abismo que não sabemos navegar, nem queremos. A falta de vontade de tudo, a falta de um objectivo ou sentido para o que quer que seja, a necessidade de não se querer sentir mais o que se sente - ou de não se querer sentir mais, ponto. O que me impressionou foi esta clivagem, como se aparentemente não tivesse sido um processo, como se tivesse havido ali uma disrupção que alterou e impossibilitou o status quo, o ir levando. E esta frase, no entanto, mostrava já que algo latente se cozinhava no dia-a-dia que se pretendia normal e suportável, que se fazia normal, que se disfarçava sem se saber que se estava a disfarçar, que doía sem ainda se saber como ou porquê, onde de repente e sem aviso, parece que se vive o mundo dentro duma campânula de vidro que não vimos crescer à nossa volta, e que nos isola de tudo, que não deixa respirar o mundo, ser como as outras pessoas.

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