terça-feira, 26 de abril de 2016


De luas, desatino e aguaceiro
Todas as noites que não foram tuas.
Amigos e meninos de ternura

Intocado meu rosto-pensamento
Intocado meu corpo e tão mais triste
Sempre à procura do teu corpo exacto.

Livra-me de ti. Que eu reconstrua
Meus pequenos amores. A ciência
De me deixar amar
Sem amargura. E que me dêem

Enorme incoerência
De desamar, amando. E te lembrando
- Fazedor de desgosto -
Que eu te esqueça.

Hilda Hilst

"E te lembrando (...) que eu te esqueça", que te esgote de mim, da memória, da alma, de cada poro onde te reténs. Onde me tens e me respiras. Que um qualquer amor, que não se compare ao desamor que quero por ti - que de tanto o desejar é amor ainda e tanto: só sente desamor quem ama ainda...-, me desfoque os sentidos de ti, que me desafogue a alma do teu mar, do teu ondular que me embala os dias quando distraio os olhos no horizonte da uma qualquer parede que nunca chego a ver, do som das ondas que me fazess sentir ressoar  no âmago do ser que um corpo pode ser, desaguando sempre nos teus olhos cheios de alma que me parece minha, que não me banhes como o luar conquista o oceano inteiro só para lhe lembrar que só o reflecte, sem lua é só escuridão líquida. Que eu te esqueça não me lembrando que te esqueci - essa incoerência de desamar ser só uma forma de amar enraivecida pela solidão. O desamor é  amor só. Que provavelmente só não pode ser chamado de amor. 
Que eu seja amada sem a amargura de não ser amada por ti.
Que eu seja amada sem o desatino de não te querer amar.

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