segunda-feira, 18 de abril de 2016


Pai Nosso, Clara Ferreira Alves

Voltei a ler. Voltei a ler sem querer. Em casa do meu irmão, há dias, enquanto se entretiam com jogos no computador, eu abri um livro que lhe tinham dado e ele não tinha começado a ler... Abri, folheei e comecei a ler as primeiras linhas da primeira página. Tinha curiosidade de como escreveria ela, é o primeiro romance que escreve, e eu já tinha lido que lançara o seu primeiro livro. Fiquei curiosa porque não simpatizo particularmente com a pessoa quando a oiço. Surpreendi-me, continuei a ler enquanto a miúda se perdia no jogo na companhia do tio que adora, li umas trinta páginas seguidas, prendeu-me a escrita e a história. Tive de o pedir emprestado e ando a devorá-lo nos intervalos do tempo, que ou teima em não passar ou passa sem aviso. Finalmente tenho cabeça para mergulhar num livro que me roube a cabeça dos ombros. Uma das partes que me fez parar foi esta, sobre o ciúme, sobre a fidelidade. Como se não se pudesse aferir a fidelidade sem se amar, como se não se amando não pode ser infidelidade. Como se o único compromisso fosse o amor. A essência, nada mais. Tudo o resto é como se "não contasse", mesmo que conte nao se define por infiel quem não cumpre um compromisso que não sente, não na essência... E o ciúme só se sente quando se ama. Em essência.  Só quando se ama se teme perder o que nos torna melhores, o que pinta o mundo de cores que se respiram alegrando-nos a alma, um mundo que de repente nos alberga, nos integra porque temos um mundo próprio com alguém de quem fazemos parte e faz parte de nós, deixamos de nos sentir despernados do mundo, sentimos pertença. O medo de perder isso tudo, farejar, ainda que de longe, esse risco arranha-nos a existência de ciúme.
Há outra passagem sobre o ciúme - o sentir pela primeira vez ciúme -, a insegurança, o medo de não chegarmos para quem admiramos e queremos perto e a querer-nos também, não menos que colados sempre que podemos. 
Voltei a ler e isso faz-me suportar os dias melhor. E mais eu. Como se me regressasse no perder-me em pensamentos nas entrelinhas de linhas que não são minhas. Como agora.

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