sábado, 29 de abril de 2023

 

Fez precisamente ontem uma semana que mandei esta música às minhas pessoas mais chegadas, aquelas que me têm aturado e ouvido no último ano de martírio. Finalmente parecia que sim, que estava livre da situação. Ao fim de tanto tempo a aguentar tanta coisa e farta de tudo, consegui sair a bem e com tudo a que teria direito se não fosse eu a querer sair. Aguentei o inferno, mas fui guardando factos, e coleccionando argumentos que poderiam um dia fundamentar precisamente sair assim - pelo meu pé, mas como se não fosse. Verdade que acenei com algumas dessas coisas, verdade que apesar de dizer que me queriam a trabalhar lá, que eu era uma mais valia, eu se calhar dava muitos problemas e faziam-mo sentir, e não que seria uma mais valia. Dias antes da morte do meu pai, no dia seguinte a ter sido internado, cheguei a casa ao almoço e decidi, é agora, vou sair, chega. Queria chorar tudo duma vez e não conseguia, queria gritar e a voz desaparecia, estava toda eu um nó que não conseguia, ou sabia, desatar. Não consigo lidar com tudo, já não sinto chão de baixo dos pés, tudo parece areias movediças, e a minha sanidade mental começa a fazer-se sentir uma miragem. Lembrava-me insistentemente de me dizerem tantas vezes lúcida, consciente, analítica, e sentia que essa lucidez já não estava ao meu alcance, fugia-me por entre todas as merd@s que os dias, o quotidiano infernal me servia, dia após dia. Decidi isto,  acabou, vou sair.
Dias depois abriu-se um buraco no chão do meu caminho, onde parecia caber toda a minha vida, onde tinha caído toda a minha vida sem quaisquer notícias do seu paradeiro. Como se de repente tudo tivesse desaparecido, tudo tivesse sido sugado por uma escuridão que não se consegue combater, ou alumiar. "Parece que te passou um autocarro por cima", disseram-me na manhã que seguiu a pior noite da minha vida, e eu ri-me, deve ter sido um tractor, um TIR carregadinho, e estás a ser simpático, pensei. 
Duas semanas e pouco depois, arranjei forças e coragem para ter "a conversa". Disse tudo o que queria, não deixei que me levassem a conversa para onde eu não queria ir, deixei claro que não queria criar problemas, mas certa que se os houvesse eu tinha defesas, até trunfos. Deixei claro que a minha postura tinha sido sempre não criar problemas e não disputar o lugar que era meu, para que me chamaram e escolheram. Só me quero onde me queiram. Se não me querem não faço questão de estar, não vou disputar algo que só faz sentido se me quiserem lá, e foi essa sempre a minha postura. A próxima que vier poderá não pensar, ou ser, assim, e pode dar-se o caso de não se importar de se prestar a esse guerrear publico perante uma equipa que devia ser liderada de forma consistente e alinhada. 
Disse o que queria dizer, deixei nas entrelinhas o que queria deixar no ar - passei a mensagem, penso que da melhor maneira. Saí de lá aliviada e orgulhosa de mim, como há muito não sentia. Tinha sido capaz, tinha feito o que queria fazer, como queria fazer. Não sei onde fui buscar forças, ou onde fui buscar cara para parecer que as tinha, mas de alguma forma, consegui, e estava feito. 
Finalmente, e depois de demasiado tempo, envio esta música. Às minhas pessoas. Estou livre, disto, desta gente, desta forma de trabalhar e pensar, de muito sofrimento que me fui infligindo por ser assim, e não de outra maneira. Aprendi muito, também porque doeu muito e fundo, e é isso que levo daqui, uma imagem mais aproximada da raça humana. Aprendi muito,  mas muito pouco da actividade, do trabalho, aprendi que as pessoas só trazem a ambição e os fins para o trabalho, o resto, o ser humano, a espinha e o carácter, quero acreditar que deixam em casa de manhã quando saem. Ainda quero acreditar que não lhes falta completamente essa humanidade, essa réstia de decência e espinha. Nem todos são assim, e se chego ao ponto de destacar do conjunto pessoas que simplesmente são educadas e mostram respeito pelos outros, o que diz muito do nível da amostra que é a massa de trabalho desta multinacional (como sempre enchem a boca para dizer), o que não direi das pessoas que me ficam desta travessia do deserto humano. Há pessoas em todo lado que valem a pena, e depois de nos cruzarmos com elas, vão connosco para sempre. Levo uma mão de gente deste sítio, que gosto, que admiro, que respeito. Vou mais pesada do que cheguei, levo mais gente do que trouxe. Agradeço as perdas e os acréscimos, porque neste caso tudo me acrescentou. Estou livre. E desempregada. Agora quero um, no máximo dois, vá, meses de sabática, depois terei de pensar o que quero fazer, como e onde. 

Don't be afraid of your freedom
Freedom
I'm free to do what I want any old time
I said I'm free to do what I want any old time
I say love me, hold me
Love me, hold me
'Cause I'm free to do what I want any old time
And I'm free to be who I choose any old time

(mas sim, estou cheia de medo. de tudo.)

2 comentários:

  1. Só me quero onde me queiram, sinto muito isso também. Que melhores dias venham aí
    (e que ponha uns paragrafazinhos nos textos :)

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    1. Melhores dias espero que sim :)) ...dos parágrafos não prometo nada, já as vírgulas me dão cabo da cabeça, nem quero pensar nos parágrafos :DD

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