sábado, 15 de março de 2025

 Quando estou viva, escrevo.

Se escrevo, é porque há uma vida que se aloja no bater deste coração, no olhar, sobre mim e sobre o mundo, que pulsa, mesmo na escuridão dos dias deste mundo cada vez mais feio. Cada vez mais longe do que poderia ser.

Quando eu escrevo, quando eu fecho o mundo, e vivo-me dentro do por dentro, sinto-me viva. Quando apenas se alinham palavras o coração continua mudo e útil, somente.

Há muito que não escrevo, e falto-me. Falta-me qualquer coisa, que calo. A utilidade dos dias, tão repetida, adoece a alma, adormece a vida. Gasta as palavras até à indolência. 

E um dia acordamos com uma frase na cabeça que não sai. Quando estou viva, escrevo. E aqui, com os restos do pequeno almoço ao lado , tenho de a escrever para que as palavras sosseguem. Para que o dia, longe de casa, possa começar. Às vezes estar vivo dói.

terça-feira, 4 de março de 2025

 Quem gosta de ler, e deixa de ler, deixou de acreditar na vida.

Quem gosta de ler, de se embrenhar nas páginas e na vida dum livro, duma história, de sentir e pensar outras histórias, ainda acredita - acredita no que pode ser ainda. Lê o que, de alguma forma, reconhece como desejo, como quem saboreia partes do seu próprio sonho, que às vezes nem sabia que sonhava. Lê às vezes para se descobrir, identifica-se, ri-se sozinho, pára e pensa em muita coisa e em nada outras tantas vezes. Também chora. Deixa-se levar. Lê e acredita, também quem reconhece sentimentos que conjuga o passado com tempo de futuro. Deixa de ler, quem gosta de ler, quando o que lê o devolve a sítios onde se encontra, mas já não está, e não acredita já, poder-se estar, viver. Como quem reconhece pedaços de ilusão vividos como realidade pura, para passar a realidade a ser a visão de meros pedaços de ilusão. E não é que não haja essa realidade, que seja impossível de a viver, de existir... não, só já não se acredita. E então, quem gosta de ler, para teimar, vira-se muitas vezes para os factos, para a leitura útil, para o conhecimento, para livros técnicos ou de história... ou então continua a teimar em insistir, teima em resistir a alguma tristeza dos sorrisos que algumas cenas deixam, quando acabamos de as ler. Lembro-me de alguém que dizia que tinha deixado de ler durante anos, que tinha deixado de ter tempo ou paciência, ou que a vida tinha, com o passar do tempo, abalroado o tempo para ler... e depois voltou a ler. Retornou devagar a deixar-se mergulhar em vidas, em mundos, em almas, que os livros nos lembram que também temos, ou tivemos, em que acreditamos e nos entregamos. Gostamos de ler quando nos entregamos a esses mundos, tanto, que parece que nos roubam momentaneamente deste. E só nos entregamos se acreditamos. Em tudo é assim.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

 


Uns dias longe de tudo, para mim, são um bálsamo. A chuva do lado de lá da janela, o calor da lareira do lado de cá. Entre chuvas damos os nossos passeios pelo sítio, já descemos até junto ao rio e subimos duas vezes hoje. A última já foi sem trela porque parece que agora estamos cá sozinhas… depois voltámos à base. Há tempo para meditar, para pensar, para deambular entre pensamentos e monólogos interiores. Acabei por ordenar ideias e vontades do que pretendo fazer este ano. Depois fui para junto da luz para ler, coisa que fiz pouco o ano passado, e deixei alguns livros que não acabei…é coisa que não gosto de fazer, gosto de começar e ir até ao fim…mas também já me dei a pensar: se o livro não te está a puxar, e o tempo dos livros arrancas a outras coisas, muda de livro, porque a intenção é dar prazer, absorver-te e mergulhar-te noutros mundos. Levar-te deste para outro onde se sinta a vida por outro lado. Se não faz isso, passa ao próximo… afinal não é isso que fazemos, e devemos fazer, em tantas outras coisas na vida? Se não te apaixona, se não te toca a essência, procura o que faça, o que faça o tempo valer a pena. Como estes dias doces, de silêncio e distâncias, que te fazem querer mais tempo deste tempo.

sábado, 4 de janeiro de 2025



Sim, o Verão, o calor, o céu azul claro, claro... mas e estas cores? Estas folhas debaixo dos pés, este tapete de cores, e o frio a fazer saber bem a lareira... e sim, bem sei, mas eu gosto da lareira sem capota, de ver a dança das chamas e o silêncio salpicado deste arder. Há calores e cores e sons que não se querem contidos e reciclados, recuperados, não se os pudermos aproveitar inteiros. Há muito que não fugia sozinha para o meu tempo, o meu silêncio, para mim. E sabe-me bem. A mim e à tracção às  quatro, que hoje teve muita terra debaixo das patas e muitos cheiros para explorar. Havia que aproveitar o céu cinzento, mas seco, de hoje, amanhã não sabemos como vai estar... se bom para andar de nariz lá fora, ou dentro de livros, ou a queimar as orelhas na lareira enquanto frita os miolos. Por pouco não se enfia no recuperador, se uma pessoa se distrai. Lá fora a noite instalou-se, nós instalámo-nos nela, de chávena de chá numa mão, a outra nas palavras que fazem este silêncio confortável e os olhos nesta luz quente que alimenta a alma e nos parece salpicar de vida a alma. Sim, o Sol, a praia, o calor na pele... mas e este? o por dentro da pele? o meu acho que tem estas cores, nada a fazer a não ser aproveitar, isto e depois o resto :)
 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025


 Mais uma vez um dígito que muda, constante por 365 dias, depois dos quais é substituído. Os primeiros dias são de enganos muitas vezes... é o hábito que nos leva. Mais um ano que passou, mas o que chega é apenas mais um dia. Um dia após o outro. Como sempre. Fechamos um ano e abrimos outro... entregamos 365 fichas, com tudo o que fizemos, sentimos e pensámos, mas não sabemos quantas temos para gastar deste ano que se anuncia começar. Costumam dizer que é uma nova folha em branco, e é um pensamento bonito, com cheiro a novo, que nos dá a ideia de renascer, de recomeçar. Dá essa ideia, e ainda bem se calhar, porque traz uma faísca de esperança no fim dessa ideia, ou até mesmo no principio... Mas a verdade é que o tempo para nós é um acumulador, qualquer nova página, por branca, cheirosa e bonita que seja, será escrita em cima de todas as folhas que já escrevemos. É curiosa esta escrita, porque não se apaga, nem se pode riscar o que já foi escrito. Resta-nos escrever outras linhas, novos parágrafos, redefinir páginas inteiras, às vezes capítulos até... mas nunca apagar, riscar, apenas continuar a escrever tentando mudar o rumo da história, da nossa história. Temos de aprender a viver, a aceitar, até a abraçar tudo o que foi escrito, tudo o que aprendemos mesmo que não esteja aprendido. Temos de perceber que nenhuma destas folhas que já escritas foram rascunhos, que não se corrige passando a limpo, temos de aceitar que não se corrige o que foi feito, apenas podemos escolher o que fazer para a frente, apenas podemos escolher, como sempre, mas agora melhor. Maturidade é afinal, talvez, escolher melhor.

Bem sei que não é um discurso optimista para primeiro dia do ano. Optimismo foi coisa de que (acho) nunca sofri, e se alguma vez por engano o sofri, logo a seguir sofri o reverso dessa ilusão, e com isso devo ter aprendido a lição. Não simpatizo particularmente (nada mesmo) com optimistas ou tolos, mas aprecio um realista que evidencie que às vezes as probabilidades estão a nosso favor, e que com isso está em grande parte nas nossas mãos que o resultado caia definitivamente para o lado que queremos. 

O ano de 2024 foi difícil, o anterior também. Não consigo dizer qual foi pior, nem interessa, foram anos de perdas sucessivas, de crescimentos arrancados à pele e à força das lágrimas que teimam em cair pouco, mas que fazem muitos danos à alma, ao sorriso, ao olhar que perde brilho e graça. Às vezes olhamo-nos ao espelho e parecemos ruínas do que já fomos, e é o trabalho de cada dia voltarmos a reerguer algo onde se viva bem. No meio de tudo isto houve projectos novos que agarrei com a força e as unhas que me restavam. Houve coisas boas, como há sempre, e houve, como tem havido sempre, pessoas que nos acompanham, que nos desmontam as dores, que nos adoçam de ternura, que nos desenham sorrisos e que nos aquecem a alma dos dias. Houve uma miúda que achou que cresceu, que teve um baile de finalistas e que pouco depois se fez caloira, mas que ficou ainda debaixo de asa. Houve ausências que apertaram o coração e presenças que a demência do tempo, e de todas as dores, levou. Houve um balanço interior, perguntas caladas para dentro do olhar fechado. Houve respostas que me explicam porque me é difícil há tanto tempo fazer as coisas que mais me davam prazer antes: escrever, ler, ouvir música, procurar poesia nova explorando o mundo imenso da web, guardar neste processo trechos e fotos que me falavam algo, ou que falavam por mim. Tudo o que me devolvia a mim trazia-me a lugares onde precisei não voltar durante muito tempo. Aprendi que é difícil encontrar-me nesses sítios porque já não sou aquela pessoa, já não tenho aquela vida dentro, já não tenho o que tinha. E talvez não goste de o reconhecer, de o enfrentar. Ou simplesmente ainda não estou preparada para esse confronto, e procuro-me, mergulho para dentro noutras águas onde me possa encontrar hoje, agora, onde o eu que encontro me faça sentir eu. Onde eu não me sinta estranha ou perdida por estar sempre a adiar fazer todas essas coisas que sempre adorei fazer e encontrar-me nelas. Tenho novas coisas que gosto, prezo cada vez mais o silêncio a sós, e a escuridão que me faz sentir em casa quando me sento no chão de pernas cruzadas e fecho os olhos e o mundo e o que me resta dá-me paz e luz.

Não tenho desejos para 2025, tenho ainda algumas vontades para ir arrancando aos dias, objectivos para fazer o tempo ter sentido, tenho desejos, sim, para cada dia que começa, recomeçando-me. Depois posso pedir algumas coisas, como peço sempre em qualquer dia que pense nisso: saúde para os que gosto. Isto eu peço, o resto tenho de ser eu a ir buscar, já sei. 

Façam o vosso 2025, os próximos 364 dias, como o querem, ou o mais aproximado que conseguirem, e divirtam-se no caminho!