segunda-feira, 29 de julho de 2024

 Alguém lá em cima anda a atirar luz ao chão. 

Parte-se, e racha toda a escuridão. Por momentos tudo é luz.

O estrondo vem depois.  Depois de tudo partido, sem réstia de luz.

É quase sempre assim em quase tudo.

O segredo deve estar em acertar no quase certo.

domingo, 28 de julho de 2024

 

Foi um calcorrear de jardins, hoje. Somos umas sortudas porque temos nas imediações de casa 3 dos jardins da cidade, que vamos aproveitando. A intenção é sempre sair cedo... tipo dez, dez e meia, que para mim, há uns aos, já seria madrugada, considerando que é fim de semana. Agora já não consigo dormir até à uma da tarde, ou é muito raro, lá para as dez começo a despertar mesmo que seja ficar na cama o que me apetece... e hoje aconteceu, ronha até quase às onze, depois saltei da cama. Pus umas leggings, t-shirt sapatilhas, boné e óculos de sol, e lá fomos nós para a nossa passeata sem rumo definido, o meu rumo favorito. Começámos pela Saudade, depois descemos, atravessámos o Botânico, saímos na Universidade, demos uma volta ali pela alta, depois descemos os Arcos do Jardim e fomos dar à Sereia. A cidade anda cheia de turistas, novos e velhos no passeio. Passei por um miúdo lindo, português, talvez pouco mais novo que a minha filha, uns olhos verde água, lindos, alegres mas meigos e um sorriso aberto, pelo menos foi isso que me dirigiu e eu passei com a quatro patas, e sorri também, mas fiquei a pensar quantas irão chorar por aquele. Não consigo deixar de pensar que quanto mais giros, mais parvos e menos a pena valem... mas haverá excepções, nem todos se tornarão convencidos e ocos. Acho que foi por ter esta ideia que sempre fugi de tipos de certo tipo. Ou melhor, não fugi, só não me diziam nada. Sim, são giros, olha-se e diz-se ah sim sim senhor, e pronto.  Mais tarde na vida comprovei a teoria. Eu estava certa. O melhor é olhar, sorrir, e seguir. Não perder tempo. E nós seguimos e andámos pela cidade uma hora e 5 kms, diz aqui a maquineta. Chegámos a casa derreadas e já passava do meio dia, com um calor que nos saía por todo o lado. Cheguei, comi uma fruta, despi-me e deixei-me aqui a descansar no sofá, com um café vagaroso, antes de ir ao banho. Devia fazer isto todos os sábados e domingos que não chovesse, faz bem à alma. Andei uma hora com a tracção às quatro por companhia, sempre feliz, e soube-me bem, não falei com ninguém, não levei sequer música nos ouvidos para entreter os pensamentos. Não, só eu e o tempo, o sol, e deixar a alma espraiar-se na luz que cobre as coisas, na brisa que suaviza o calor, a apreciar a sombra quando o sol aperta muito, ouvir a minha própria respiração e sentir o corpo. Sentir o corpo por dentro e saber que somos no mundo muito mais o por fora. E chegar a casa. Onde o por dentro e o por fora não se distinguem. Ou não deviam.

sábado, 20 de julho de 2024

 Insta. Instantaneo, mas não para mim. Serve há muito de album, de registo para o depois. Fica com pensamentos colado a imagens, para que não fujam, para que também eles possam ter um lugar guardado. Fica com os lugares com data, ainda que raramente no próprio dia. Talvez porque me demore a ver, ou porque os olhos precisam de mastigar o que vêem, e só depois poderem ser guardados para a posteridade. Hoje finalmente pus no album as fotos dos 18 anos da adulta pirralha. Foi em Maio... desta vez demorei demais. Mas foi quando foi, paciência. Ficou lá, com referência à data correcta, não vá um dia o Alzheimer trair-me e baralhar-me a data de nascimento da minha pequenitates. Enquanto punha as fotos no album pus-me a pensar como o instantâneo agora é um modo de vida, ou parece. É tudo instantaneo, o ver, o ouvir, o concluir, o dizer, o ser. Se calhar as únicas coisas instantaneas que gosto é o que é espontaneo... é a reacção espontanea, por ser a mais verdadeira ainda que não a certa tantas vezes. E tantas vezes já me desacertei por ter reacções demasiado instantaneas para pensar filtrar antes de dizer. Mas perdoo a espontaneidade com um sorriso que não encontro para a premeditação, para a manipulação. E é incrivel como a certo ponto da vida olhamos em volta e vemos muito mais manipuladores do que alguma vez pensámos poder existir. Até relativiza o desprezo que senti quando percebi a primeira verdadeiramente manipuladora com que a minha vida se cruzou...  concluo agora, como concluí na altura, que é uma coisa de poder sobre os outros, e de ego, com doses generosas de paciência e tempo. Nada mais... Mas voltando ao início, ao insta... o insta é sobretudo instantaneo, mas será espontaneo? e se fosse, o que veríamos lá? Menos felicidade talvez. E será a felicidade que gostamos de ver? Ou de espreitar?

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Será sensato
descobrir o momento
em que se deve
deixar de escrever
e apenas
passar a limpo?


José Alberto Oliveira


Deixei de escrever há muito, sem quase dar por ela. Um adiar constante de algo que antes não conseguia adiar, saía-me dos dedos para não asfixiar alma, era uma necessidade quase básica, extravasar-me para me equilibrar. Deixei de escrever mas nada passou a limpo, nem tenho nada para passar a limpo, o que foi escrito na imperfeição do momento é o mais perfeito que consigo fazer, viver ou escrever. Sempre fui pela espontaneidade, pelo momento, pela vontade do momento que grita e não se quer calar e que eu não gosto, ou quero, calar. Como o silêncio que foi entrando e instalando-se nos dias. Foi acontecendo. Um silêncio diferente em mim,  um que não fala, que serve de fundo ao correr dos dias corridos, com o tempo contado, que não tem nada para contar. Que não nos deixa sequer querer parar para olhar para dentro do tempo. As voltas pela cidade, os cigarros fumados nas ultimas cores do dia, tudo agora perdeu lugar porque o tempo ocupou tudo com coisa nenhuma, ou às vezes assim me parece. As mesmas vezes em que chego a sentir falta de mim, de me encontrar, de me sentir. Ou talvez tenha andado a fugir de tudo isso, e de mim também.  Escrever sempre foi um encontro diário comigo, e talvez eu devesse ver-me mais vezes, conversar-me, sobre tudo e nada. Quanto menos se conversa menos se tem para conversar, de repente não temos interesse em falar, em pensar, em fechar os olhos e ver. Mas a essência é uma coisa meio selvagem, e mal nos distraímos abraça-nos e aí percebemos que há abraços que nos fazem falta. Aqueles em que nos encontramos.

domingo, 14 de julho de 2024

 Este fim‑de‑semana deu-me para as fotografias. Para organizá-las, guardá-las, e no caminho revê-las. Acabei por ver muitos anos, várias fases, momentos vários. E depois as de agora, da última viagem, dos últimos momentos registados, de quem falta agora nas fotografias. Dei por mim a rir-me algumas vezes, outras a ter vontade de chorar. Mas o que me fez pensar e parar e sentir, foi a diferença, a diferença em mim. Já não tenho gargalhadas nos olhos, agora trago nos olhos uma tranquilidade que não tive tempo de aprender. Como algo que me deram para tomar com os dias, ainda que sem receita ou recomendação. Algo que adormeceu partes de mim. Algo que aconteceu e instalou-se. E não é que não encontre gargalhadas nas fotografias agora, não é que o sentido de humor me tenha abandonado e partido para parte incerta, não é que agora me tenham deixado de assistir as parvoeiras da praxe, não… é só que os meus olhos já não gargalham. E isso vê-se. Ou eu vejo, nas fotografias. Há um brilho que falta. E vejo as fotos onde o via e vejo os anos e penso como é possível ser tão feliz e tão infeliz durante tanto tempo. Só é possível quando um lado e outro se equilibram de alguma forma, só é possível que tanto tempo passe e se continue quando o que é mau é tão mau se o bom for extraordinário. Se o bom fizer os olhos gargalharem com a vida, se houver uma comunhão com a vida, e com o sentido que ela nos faz. Mesmo que se chore muitas vezes. Há quem diga que devemos estar agradecidos por ter vivido algo assim, não sei se concordo, diria mesmo que não, mas o certo é que há pessoas que nunca chegam a ter gargalhadas nos olhos, nunca chegam a saber o que isso é. Nunca chegaram a sentir o que vejo em tantas fotografias no meu olhar. Mas as lágrimas todos experimentam duma forma ou doutra. Não estou agradecida. Não agradeço ver-me agora nas fotografias e não me ver ali inteira, ver-me numa tranquilidade que me foi trazida com todas e cada uma das perdas que fui guardando. Sim, eu guardo as perdas, religiosamente. E as gargalhadas. E a felicidade. Estão guardadas e vividas. Mas e agora? E é este “e agora?” que me faz escrever. Sair do meu silêncio confortável, essa música perfeita do meu fazer os dias. As perguntas, sempre as perguntas em mim como resposta para tudo. Ou para quase tudo. Foi nesse quase que acho que me perdi. De tudo. As gargalhadas já não brilham nos meus olhos.