sexta-feira, 24 de março de 2023




 E é o que faço. E olho e leio, espera. Aquele está à espera e eu também. Não sei bem de quê. Que passe o tempo e que não passe nada. Que não se passe nada. Que o liguem e o façam dizer coisas, que lhe dêem vida através de outros, que o tirem de espera. Que me tirem daqui, que me façam esquecer. Não, esquecer não, ultrapassar, saber lidar, resolver, arrumar por dentro e fechar por fora. Qualquer coisa. Esperar não ter de voltar a olhar para monitores e ouvir apitos das máquinas à volta. Não ver batas à frente nem guardar o cansaço de alguém sem poder descansa-los. E sem isso me descansar. Espero. Mas não sei o quê, não é esperar de esperança. É de matar tempo matando-nos.

domingo, 19 de março de 2023

[foto @snake72]

Hoje é dia do pai. Há dias, a caminho de ir tratar de umas coisas passei por um sitio que tinha cá fora um quadro preto, onde a giz se lia "Dia do pai 19 de Março" e por baixo o desenho de um daqueles bigodes antigos e revirados. Era uma loja de vinhos. E o dia era de sol, pelo menos naquele momento, que os dias andam demasiado bipolares no que também ao tempo diz respeito, mas para mim, de repente o dia fechou-se e eu fechei-me nele. Eu que dizia que todos devíamos aprender a chorar, eu acho que não aprendi, e choro agora sem saber, e às vezes sem dar conta que vou chorar, e as lágrimas nasceram-me não sei de onde, daquele quadro preto se calhar, de todos os dias seguintes ao para sempre, que é também o nunca que nos afunda numa eternidade imposta. Muitas coisas me passaram pela cabeça enquanto tentava saber porque as lágrimas silenciosamente me caíam, sem saber pará-las, lembrei-me de como gostava de beber, quase orgulhoso (era a única que bebia com ele), uma garrafa de vinho comigo ao jantar, lembrei-me de uma coisa que lhe dei há muitos anos, e que era tão, mas tão, perfeitamente certo e feito quase à medida da maneira de pensar do meu pai, da maneira como via as coisas, os dias, as prendas, tudo... que o tinha pendurado no seu quarto, à vista de todos os dias e todos os acordares, e dizia o qualquer coisa como "o dia do pai não é especial, o meu pai é que é especial". E era isto, o meu pai nunca ligou muito a datas, menos ainda a prendas, entendia que as coisas que são diferentes, que são diferentes porque algo as torna diferentes, e essa transformação não vem de imposição de datas ou obrigações, eram assim e pronto. Era uma alquimia do coração. Se as fizéssemos assim, ou se algo as tornasse momentos que ficam, memoráveis. E era isso que aquilo dizia, e que ele gostava, mas sim, foi oferecido num dia do pai. Como terá sido num dia de aniversário que deu o fio que trago ao pescoço desde que o perdi. Foi das poucas coisas que me deu, e digo isto porque sei que este fio foi escolhe-lo, não foi a minha mãe que foi tratar da prenda como sempre fazia, daquela vez, por alguma razão macaca, foi ele que foi escolher e mo deu, e é a cara dele. Porque via beleza na simplicidade. É a única coisa do género que uso desde aquele dia. Acontece-me sempre isto, deixo de conseguir pôr brincos, aneis, colares. Deixa de me fazer sentido durante uns tempos, não sei quantos. Aconteceu com o meu tio, com o meu irmão, e agora. Dispo-me das pequenas coisas que servem para enfeitar, para compor, para dar graça, mesmo que discreta, mesmo que simples, que como o meu pai também prefiro quase sempre coisas simples. As que não se notam a olho nu, as que se vêem de outras formas, as que se sentem de alguma forma. A única prenda que o meu pai verdadeiramente recordava e falava com um sorriso largo, foi a que recebeu atrasada, no dia seguinte e que era a alegria dele desde então, a neta. O que ele gostava dessa coincidência, como que a reforçar o laço com aquele sapito que adorava dormir de fralda em cima da barriga dele. Poucas vezes o terei visto tão feliz como quando chegava a casa e estavam os dois naqueles preparos. Hoje é dia do pai, acabei de dizer à minha filha que devia ir jantar com o pai dela. Mas é só uma data, é só uma instituição, ter um pai que nos ensinou a essência das coisas em gestos silenciosos, e reconhecê-las e chorá-las, mesmo quando não nos ensinou a chorar, é outra coisa. 

sábado, 11 de março de 2023

domingo, 5 de março de 2023

Ler, ler ,ler. 
Música, música, música. 
Voltar ao yoga de manhã, que há meses deixei. 
Passear as bichas ao fim do dia, quer seja de sol ou de chuva. Ao fim de semana sem falhas e em modo prolongado.
Estar com as minhas pessoas, e não fazer fretes a perder tempo com quem não corresponde. 
Cuidar do meu irmão, zelar que a minha filha continua a crescer bem, por dentro e por fora. 
Comer paisagens com aquela respiração funda e lenta que chega à alma, apreciar a solidão como uma prece interior.
Escrever mais, escrever-me de dentro para fora, escrever como quem se lê mergulhada para dentro.
Coisas que deixei, que fui deixando, coisas que me foram levando num processo de anos, coisas minhas, que eu gostava, que me faziam bem, que me faziam pelo menos sentir bem. 
Nos últimos anos tenho lido cada vez menos, não tenho conseguido matar o mundo de fora vivendo o mundo por dentro dos livros. Deixei de ter esse escape, essa capacidade, a cabeça não deixava este mundo, esta realidade, e para me evitar deixei de abrir livros e passei a papar séries, das que não deixam neurónios disponíveis enquanto os olhos estiverem entretidos com aquilo. Li poucos livros no ultimo ano, uma miséria. Para minha vergonha ainda tenho aqui que deixar esse balanço. Que será mais difícil de fazer porque também deixei de comentar aqui as frases que me apanhavam no que lia e permitiam fazer essa cronologia facilmente... que é talvez um sintoma, ou uma consequência, ou as duas coisas em pescadinha-de-rabo-na-boca. Já menos coisas me prendem, me surpreendem, me arrebatam. Estou a tentar voltar a ter sonhos, mas não é tão fácil sonhar como se pensa. Quando os pés são pesados, o corpo parece acumular tempo medido em desilusões, em dores em mágoas, há um olhar que se perde, há vontades que morrem à sede, há um brilho que morre. E é esse brilho que alimenta os sonhos, a capacidade de acreditar a vontade de ir atrás. E o acreditar que conseguimos, acreditar em nós. Talvez esta seja a parte mais difícil, acreditar em mim quando olho as mãos e estão vazias, de tudo o que mexeram e fizeram até hoje, estão vazias. Com se nada tivesse feito, como se tudo se esvaísse por entre os dedos.
É dificil, tem sido duríssimo, olho para trás e não me lembro de tréguas. Vou-me lembrando, sim, de sorrisos por entre as batalhas, durante as guerras, sempre e em qualquer situação, como as risadas que ainda hoje me saem, quando por dentro guardo lágrimas a mais, mas risos ainda deixo que me invadam e não os afasto por medo que me possam confundir por bem. Não, essas contas são minhas e só eu as faço. 
Quero voltar a ler, quero voltar a precisar de música como se o corpo pedisse. Voltei ontem ao yoga e espero conseguir manter, porque me faz bem e me faz sentir bem, pelo menos faz-me sentir menos empenada e perra... e velha vá. E quero-me rodeada das pessoas lindas que consegui ir fazendo minhas, e que são extraordinárias sim, não sei como me aturam, mas isso também é melhor nem querer saber. Há coisas que não se explicam. O amor não se explica, e a amizade é amor sem desejo, sem tesão, de resto tem poucas diferenças. E agora vou passear a bicha que ontem não foi ao passeio. Estou sozinha, tenho de revezar-me :) 
Vou tentar, vou tentar recuperar-me o que houver para recuperar, vou começar pelo que sempre me fez sorrir por dentro, depois veremos. A minha vida vai mudar. Já mudou em tanta coisa que não escolhi, agora vou mudá-la eu e não lhe vou pedir licença, não hei-de morrer, e se for esse o caso ao menos foi a tentar encontrar quem já fui, quem quero ser, quem espero ainda ser. Mesmo que diferente.

sexta-feira, 3 de março de 2023

 Olho o rio ao meu lado, quase sossegado, e parece correr ao contrário. Voltar à origem combater a descida, subindo. Bem sei que é ilusão, que é a brisa que lhe afaga a superfície ao contrário das forças superiores que movem as profundezas, a essência das coisas. Acabo o copo de sangria aos pouquinhos, sozinha, depois de um almoço de amigas. Tento organizar ideias, por argumentos em ordem, mas é só a brisa a brincar com a vida. As profundezas arrastam-me na descida, por muito que não pareça e eu não queira parecer. Há quem veja a essência, a esses damos a mão em muitos abraços por dar. A essência não se prende a coisas, mas àquilo que se vê com a alma.