quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

 O problema de passear na cidade ao fim do dia, quase como forma de recuperar a alma que nos parece fugir, é que o carro parece conhecer os caminhos. Percorre-os quase de memória, quase como dizem da existência da memória da pele, meio inconsciente meio sábia. Acontece que acabo muitas vezes a ouvir os pingos cair, num silêncio forrado de escuridão e embrulhado em cidade. E depois de parar o carro e me entornar no silêncio que bebo, não me apetece mexer, não me apetece sair, apetece-me só existir assim, onde ninguém sabe que existo, onde o mundo não tem fios, onde as figuras são só figuras e os seres apenas existências, sem mais. Sem peso, sem ter de ser, sem se esperar nada e qualquer sítio ser destino. Onde a solidão se equivale ao verbo ser, e isso ser bom, isso ser livre. Existir apenas, sem medidas, sem quereres, sem consciência do sentir. Não há liberdade quando se sente. Sentir é um emaranhado de fios que ora nos faz dançar como não sabíamos poder, ora nos embrulha e paralisa. Sem fios, não precisamos de rede, e as redes são só fios. Aqui, assim, com a chuva a entrar pela fresta da janela debaixo dum candeeiro amarelado, não há fios, ou parece que não. Por um bocadinho.

2 comentários:

  1. Esses "fios" por vezes parecem uma teia de aranha, e quanto mais lutamos por sair mais ficamos presos...no meio deles.
    Vi, só te desejo um novo ano 2023 sem fios, e que nunca te sintas presa a nada. Bjs:)

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    1. Bom ano, Legionário! Que 2023 te leve pela mão onde queres chegar, que seja um ano de alegrias e 12 meses cheios de vida, partilhados com quem gostas :)
      Grande beijinho para ti :)

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