domingo, 17 de julho de 2022


 Manoel de Barros

Também sou muito fraca para elogios, tiram-me o à vontade, fico sem jeito nenhum, põem-me os olhos no chão, e arrumam as palavras em gavetas que os braços não alcançam. Lido melhor com a ofensa, com a frase parva, com a crítica obtusa, mas fácil. Tenho a língua rápida para resposta de contra-ataque (contra-ataque repito, poucos o percebem, tomam-no por vezes por modo de ser, sem perceberem que é um modo activado por reacção, nunca acção). Muitas vezes de knock-out, não tanto (provavelmente) pela qualidade ou ferocidade do argumento, mas pela surpresa. Vezes há que fico sem resposta também, é mais raro, mas também acontece… com elogios acontece quase sempre. Sou fraca para elogios. Mas também gosto das profundidades do nada, e de isso ser quase tudo, essas insignificâncias que distinguem os dias em pequenos gestos, que tornam alguma pessoas mais pessoas para nós, que tornam os outros tesouros por descobrir em pequenos nadas cheios de profundidades só nossas, só minhas, porque raramente as digo, mas às vezes escrevo-as. Mas nem sempre as palavras estão para a poesia da vida. Às vezes não chegam, às vezes não dizem. Em tantas soçobram. Não, não acho que a poesia esteja guardada nas palavras, está guardada nos gestos, e em alguns olhares. Olhares que ficam, gestos que nunca partem. Às vezes as palavras conseguem chegar lá, muitas não chegam nem perto, mas a poesia está também aí, no saber ler, que quase sempre é saber ver. Escrever toda a gente sabe.

8 comentários:

  1. "Não, não acho que a poesia esteja guardada nas palavras, está guardada nos gestos e em alguns olhares."
    Pois é Vi, lá voltamos nós em alguns olhares, e eles dizem tanto.
    Um abraço:)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Há olhares tão bons, que se vêem, outros que são os nossos olhos que sentem, e esses também me dizem que se sentem :)
      Abraço

      Eliminar
  2. "Às vezes não chegam, às vezes não dizem.". É verdade mas, não desta vez.
    Gostei muito de ler. E sentir.
    Um abraço,
    Sandra Martins

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada, Sandra :) o que vale a pena, sempre, é sentir :)

      Eliminar
  3. "Mas nem sempre as palavras estão para a poesia da vida"
    Bela frase Vi, espero que esteja tudo bem contigo:)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Está tudo bem, Legionário :) obrigada pelo cuidado.
      É o tempo que parece cada vez menos, e a vontade de escrever não me tem assaltado como dantes. A minha mãe há tempos diria que era bom sinal :))
      Beijo para ti e boa semana :)

      Eliminar
  4. para os elogios tenho a receita certa: Obrigado.
    reconhecer, agradecer e seguir em frente, não prolongar o assunto quer pelo lado gabarolice quer pelo lado da modéstia que é outra forma de gabarolice

    Já para a ofensa, não consigo ter a resposta rápida como tu. Aqui sou como a maioria do mundo, no dia seguinte é que me lmebro daquela resposta fenomenal que já não serve para nada :D Há um sketch do Seinfeld em que o George anda sempre desfasado um dia nas respostas que vai dar nas reuniões

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois, uma pessoa agradece mas fica sem jeito. E sem resposta. Quando é em resposta a algo que é para nos ferir parece que a resposta é mais fácil, como me parece que tendencialmente é sempre mais facil argumentar que aceitar algo que não gostamos ou não concordamos... manias! :)
      Bom vindo, Luis :)

      Eliminar