domingo, 31 de julho de 2022

 Ao fundo do negro, a levantar-se da terra, vejo este meio sorriso em fogo. Como uma timidez que esconde o que na alma arde. Não que a força do fogo seja frágil, não que o fogo seja brando, apenas só se deixa adivinhar, nunca mostrar. Um meio sorriso, uma pestaninha no olhar imenso da noite. Daqui a noites não será de timidez a sua veste, mas de plenitude.  Lua cheia, quando todos a olham e admiram, quando ilumina tudo e mostra tudo. Gosto mais assim, tanto mais: uma pestaninha no céu, um olho semicerrado, um desejo por formular que guardamos no baú. Aquilo que se adivinha, aquilo que vê quem vê além. Quem tem um além para procurar, porque o óbvio é pouco e esgota-se muito. O que não se vê é imenso, é tudo. 

Triste é o tempo entre o óbvio e o além, a descoberta do todo, pormenor a pormenor, detalhe a detalhe. Difícil é continuar a ver além, mesmo quando não vemos nada senão escuridão.

sábado, 30 de julho de 2022

 A casa vazia, o silêncio que extravasa, a luz que entra e escapa apesar da persiana corrida. Não sei já, se as corro para manter o fresco dentro, ou o mundo lá fora. Sei que a frescura tem artes de se escapar, e o mundo manhas para nos invadir. Sem aviso, e ainda assim, sem surpresa. Sei que a casa voltou a ter cantos e sombras conhecidas guardadas a sete chaves. E no entanto está vazia. 

domingo, 24 de julho de 2022


 E ao fim do dia deixamos o carro parar, a brisa entrar e estas cores inundarem o olhar. Depois a música escorrega perfeita para o cenário… Cigarettes after sex… uma combinação que não parece nada combinada, mas natural. Como tudo deveria ser, ou sentir-se. Toca o sino da igreja. Há um mundo lá fora. Tão perto, mas tão longe. Uma tranquilidade com uma ponta de inquietação agridoce. Talvez seja o calor das cores e a embriaguez da música, volúpia tão quente.

domingo, 17 de julho de 2022


 Manoel de Barros

Também sou muito fraca para elogios, tiram-me o à vontade, fico sem jeito nenhum, põem-me os olhos no chão, e arrumam as palavras em gavetas que os braços não alcançam. Lido melhor com a ofensa, com a frase parva, com a crítica obtusa, mas fácil. Tenho a língua rápida para resposta de contra-ataque (contra-ataque repito, poucos o percebem, tomam-no por vezes por modo de ser, sem perceberem que é um modo activado por reacção, nunca acção). Muitas vezes de knock-out, não tanto (provavelmente) pela qualidade ou ferocidade do argumento, mas pela surpresa. Vezes há que fico sem resposta também, é mais raro, mas também acontece… com elogios acontece quase sempre. Sou fraca para elogios. Mas também gosto das profundidades do nada, e de isso ser quase tudo, essas insignificâncias que distinguem os dias em pequenos gestos, que tornam alguma pessoas mais pessoas para nós, que tornam os outros tesouros por descobrir em pequenos nadas cheios de profundidades só nossas, só minhas, porque raramente as digo, mas às vezes escrevo-as. Mas nem sempre as palavras estão para a poesia da vida. Às vezes não chegam, às vezes não dizem. Em tantas soçobram. Não, não acho que a poesia esteja guardada nas palavras, está guardada nos gestos, e em alguns olhares. Olhares que ficam, gestos que nunca partem. Às vezes as palavras conseguem chegar lá, muitas não chegam nem perto, mas a poesia está também aí, no saber ler, que quase sempre é saber ver. Escrever toda a gente sabe.

quarta-feira, 13 de julho de 2022

 


Dizem-me diferente, e eu não sei dizer. Não sei o que diga ao que dizem. Sinto-me a mesma, ainda que não na mesma. Também não sei o que terá mudado para que continue a mesma, mas me vejam diferente. Vejo-me da mesma maneira. Continuo a aproveitar os fins de noite na minha varanda, continuo a achar que a varanda é a minha parte preferida da casa, juntamente com a sala por onde entra. Continuo a gostar de Martini para saborear o quente da noite. Continua a afligir-me o peito o cheiro a queimado no ar. Continuo a gostar de velas. Continuo a dizer o que penso, ainda que não agrade a muitos. Continuam a falar nas minhas pernas, que estão na mesma, e o meu andar, mas eu estou diferente, dizem. O meu olhar continua a dizer coisas que eu não sei dizer, digo eu.

quarta-feira, 6 de julho de 2022

 

… senhores, que noite fantástica :)
Depois chegamos a casa e mudamos de esplanada. A mesma lua, a mesma temperatura deliciosa que nos despe do tempo e nos veste de verão. Sento-me no degrau da varanda a ouvir a cidade calar-me as palavras sós. Vejo os carros passar. Cada um na sua vida, a caminho de algum lado, ou em obediência de uma qualquer vontade “mãe, vamos dar mais uma voltinha de carro?” Há manias e gostos que se pegam… mas hoje o tempo sabe melhor aqui… que noite fantástica, senhores… para tanta coisa… ficar na varanda, cochilar com as estrelas, conversar em silêncio, escrever, dormir sem lençol, sem nada por cima. Ficar aqui.

terça-feira, 5 de julho de 2022

Como é que se Esquece Alguém que se Ama?

“Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver?
Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? 
Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está? 
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. 
As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar.

Sim, mas como se faz? 

Como se esquece? 

Devagar. 

É preciso esquecer devagar. 
Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. 
Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. 
Elas não saem de lá. 
Estúpidas! É preciso aguentar. 

Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. 

A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. 
É preciso paciência. 
O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. 
Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. 
Ninguém aguenta estar triste. 
Ninguém aguenta estar sozinho. 
Tomam-se conselhos e comprimidos. 
Procuram-se escapes e alternativas. 
Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. 
Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. 
Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. 
A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. 
É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar. 
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. 

É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. 

Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. 
Muitas vezes nem há seringa. 
Nem injecção. 
Nem remédio. 
Nem conhecimento certo da doença de que se padece. 

Muitas vezes só existe a agulha. 

Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. 
Fica tudo à nossa espera. 
Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. 
O esquecimento não tem arte. 
Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. 

Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar. “

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'

Do grande MEC, para me relembrar de todas as vezes que me disseram “tens de andar para a frente, esquecer” e eu não sabia o que era isso de andar para a frente diferente do que eu fazia, que era doer quando doía como se me arrancassem a pele, e se calhar até  era isso, precisava doutra pele para esta alma… ou de tirar a pele para vestir outra alma, quem sabe. O que eu fazia era recordar quando a cabeça era invadida sem aviso nem decoro, e esperar que me vagassem o tempo para outras coisas. Tentava não dar o flanco de a cabeça poder ser ocupada à má fila, trabalhava sempre que podia, as vezes quando não podia. Aceitei a doença e aprendi a viver com ela. Como uma sombra que me agarra os passos a cada passo, que me lembra do peso que certas levezas têm, que me lembravam quão difícil é ter tido coisas boas, coisas tão boas. E tão más, tão monstruosamente más, tanto que as vezes o sofrimento parecia menor agora, mesmo que parecesse que me arrancavam a pele. Se calhar era mesmo menos dor, às vezes parecia menos dor que a dor por que  trocava tantas coisas boas, coisas tão boas. Como um negócio onde perdia sempre, até quando ganhava, estava a perder. Mas aprende-se a doença, e almeja-se pela cura, sem a apressar - e esta, acredito, só se encontra se não se procurar. E um dia, o andar acorda mais ligeiro, e não sabemos porquê. Ainda temos uma sombra que arrastamos, mas já não nos arrasta. E se calhar agora - finalmente - estamos a andar para frente. Como sempre, até agora, mas agora parece. Agora os outros veem. Mas agora os outros veem e há verdade nisso, não é uma injecção de momento para amenizar o passado com breves amnésias. Agora é o que for, não o que foi.
Grande MEC.

segunda-feira, 4 de julho de 2022


 E é isto… um dia de praia sem gente, sem vento, agora sem sol, mas a guardar muitos sonos :) não se está mal, não senhor. O mar está bom de olhar para dentro.

domingo, 3 de julho de 2022

 


É que eu venho do nada 
porque arrasei o que não quis
Em nome da estrada onde só quero ser feliz
Enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada
Vai beijar o homem-bomba, quero adormecer

Tudo o que eu vi, estou a partilhar contigo
O que não vivi, um dia hei de inventar contigo
Sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
Mas quero-te bem, 
encosta-te a mim


Todos nós pagamos por aquilo que usamos,
O sistema é antigo , e não poupa ninguém.
………
… a liberdade é uma maluca, 
que sabe quanto vale um beijo.
Enquanto houver estrada para andar, 
a gente vai continuar.

[tão bom, Jorge Palma, adoro e a orquestra não estragou nadinha, pelo contrário :) há dias bons]

sábado, 2 de julho de 2022


 Hoje foram mãe e filha, a serem passeadas e a passearem. Correram até ficar assim, deitadas mal parássemos. Elas deitadas com a língua de fora e eu à espera que a pequenitates fosse comprar o pão. O dia está solarengo e a temperatura está boa para passeios e para respirar fundo a vida fora das exigências da semana. Parecem sempre tão poucos é tão curtos estes bocadinhos, como se a vida a sério fosse tão curta e suspensa em instantes de eternidade. Agora, já em casa, um brunch é um café depois o sol continua altivo lá fora e eu deixo-me abraçar por uma certa moleza dominguenta (pode dar a qualquer dia da semana..) que se poderia confundir com sono. Se calhar é só vontade de sonhar :)