Sento-me aqui, à beira da noite molhada e parece que nada mudou. A mesma varanda, o mesmo cadeirão, os mesmos desenhos de sombras nas paredes, até a chuva parece dizer o mesmo que dantes dizia. Como se a noite não tivesse mudado, e no entanto tudo mudou. Já não digo à noite o que dizia, ela não me esmaga como já esmagou, já não me fala espantando o sono e chamando o mesmo exército de medos armados de angústias várias, e a luz já não me fere tão fundo. Fico aqui atenta à rua, aos sons, às sombras, e tudo por fora parece não conhecer o tempo, mas de dentro para fora tudo parece diferente. E não percebo, porque eu não mudei nada. Houve só coisas que desapareceram de onde nunca estiveram, nunca foram. Como se o mundo nunca as tivesse conhecido, sequer ouvido falar delas. O mundo está igual, lá fora, eu estou na mesma, cá dentro, mas nesse mundo imutável sinto que vejo tudo diferente. Só não sei se sinto diferente. Ou se já não sinto. Sento-me aqui, à beira da noite, como de um abismo onde sempre me deixo cair, e donde nunca caio.
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