quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

[foto @ryanandray]

"O que eu quero fazer é escrever: pôr tudo a limpo com as palavras. As palavras ditas e as palavras deixadas por dizer. Eu sou as palavras que por mim passam. Palavras que vieram de muito longe, do mais longe de tudo, do começo do mundo. Palavras que vão para longe, para o mais longe futuro, enquanto houver palavras ditas e por dizer. O que desejo é escrever-me. Não inventar a vida dos outros, que não faço a mínima ideia qual possa ser, mas contar a minha. Só a minha é tão misteriosa e enigmática para mim. Tão longe e tão perto que não se deixa apanhar nem com os olhos, nem com os dedos. De mim não consigo descansar. Não é preciso inventar. Inventar é ocupação de mentirosos. O que é preciso é descrever uma vida. A minha. Quando não estiver tão misturada com a dos outros, depois de perfeitamente destilada, isolada na máxima solidão. Onde só as palavras escritas me defendam da morte. É essa a minha tarefa: tornar-me naquilo que sou. Ou então nada."

Pedro Paixao, in  A Rapariga Errada

O que eu quero fazer é não escrever: deixar tudo no vazio das palavras que nem se sabe que ficam por dizer. Não fazem falta serem ditas, nem nos falta ouvi-las. Que não chegam a ser vazio por não serem falta.
O que eu quero é que as minhas frases não precisem de palavras, muito menos tuas.
O que eu quero é que as palavras sejam só palavras e não medidas duma dor que não se descreve, mas que nos gastamos em tentativas de a escrever, sem nunca a gastar.
O que eu quero fazer é não escrever-me: é não me fazer em palavras que dizem como me desfaço. Não me quero em palavras, não me quero em frases nem em parágrafos, nem em falta de vírgulas ou pontos finais. Quero-me depois do vento as levar todas e me deixar analfabeta das palavras que me roubaste porque os significados foram todos mortos por ti. E mortos não contam histórias, mas moram em mim, sem palavras. Desabita-me. Quero casa própria, rua de flores minhas, um pôr do sol só na minha varanda. Quero um sorriso recheado dum significado que ainda não conheço - que ainda não mataste - no alaranjado do sol que se despede sem esfriar, onde ainda possam amanhecer palavras, daquelas que alguém não deixará por dizer e que fazem falta.
Eu não sou as palavras que por mim passam, eu sou o que fica das palavras que passaram, desse amor beijado da tua boca em palavras a que mataste o significado, e que desalmadas me assombram. Palavras que não  me defendem da morte, alimentam-na.

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