domingo, 11 de setembro de 2022

[foto de Marc Riboud, Japão, 1958]

 Agora que não tenho nada que dizer, que me dizem vazia e que transparece, que não estou eu, que não sou eu... agora que não tenho nada que me apeteça dizer, sonhei que conversava com a minha mãe. E que alegria parva aquilo estava a ser, conseguir ter uma conversa com a minha mãe, como tive tantas ao longo de toda a vida. Falávamos tanto, conversávamos, desconversávamos e ríamos muito também. Chegava a casa e ecoava aquele Mãããã??... e ia ter com ela a seguir às aulas contar as pequenas grandes histórias, fazê-las grandes, fazê-las grandes porque eram minhas e me tocavam, me doíam, ou me alegravam. Quantas vezes à noite à beira da cama dela quando chegava à casa, ou enquanto ela fazia o jantar, e eu ficava ali, mais a falar que a ajudar. Lembra-me tanto a minha filha e eu agora. Ela conta-me as coisas dela, os amores e desamores, as amigas e as suas histórias, os conselhos ajuizados que dá e os que ouve. Tanta coisa parecida me leva a tempos que já não trago. A minha mãe não conversa, não consegue, está ali mas não está, ou é como quem chega a cada minuto e o último já se apagou. Revolta-me isto, há qualquer coisa que nisto me revolve as entranhas e as memórias e o futuro que me vai chegar,  e não sei lidar. Ultimamente parece que não sei lidar com nada da vida, então fecho-me e resmungo sozinha as minhas neuras, fecho as luzes, fico em casa e vejo o mundo pela janela ou pendurada no parapeito da minha varanda, como quem olha o abismo em segurança, mas não lhe sabe medir o pulso. E agora que não tenho nada para dizer, que não me apetece dizer nada, converso em sonhos com a minha mãe. Falo e rio-me e ela responde, e fala e ri-se com a presença inteira, com a alma por quebrar, com o tempo ainda todo por passar e trespassá-la. Que saudades de conversar com a minha mãe. E hoje, que não tenho nada para dizer, talvez conseguíssemos conversar no tempo dela, sempre perdido no meio dum começo sem fim. Não tenho nada para dizer, estou vazia até de palavras, já não escrevo como quem transborda, já não sinto como dantes; e hoje só me apetecia conseguir conversar com a minha mãe. Sentir a minha mãe. A minha mãe como era, antes de nela se esvaziar o tempo e todas as conversas. Talvez hoje eu precisasse de ser filha, mas até esse lugar está vazio de mim.

10 comentários:

  1. Olá Vi, hoje deixo-te um forte abraço.

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  2. Posso dizer-te que me fizeste soltar uma lágrima... Nunca me senti filha, nem em sonhos. Escrever até transbordar? Também já o fiz mais mas como te entendo... Deixo-te um abraço.

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  3. " Setembro " costuma trazer destas coisas.
    Um beijo, Olvido

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    1. O Outono devia ensinar-nos do desprendimento, mas só agudiza a falta dele... beijo, Persefone

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  4. para quem não tem nada para dizer, tens muito para dizer ;)

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    1. ... realmente, só mais um paradoxo :)). Falar sobre não ter o que dizer, divagar sobre o vazio, escrever sobre o que se pensa quando se pensa apenas que não temos nada a dizer. Idiossincrasias...

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    2. que venham muitos paradoxos divagações e idiossincracias

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  5. A falta do que dizer, esculpiu uma poesia cheia de prosa

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