Chegar foi uma aventura, chovia a potes e já de noite... ela dormia, e a cadela olhava para mim como que a perguntar para onde raio estávamos a ir que nunca mais chegávamos... finalmente, e depois dum caminho que me pareceu demasiado comprido e dificil, já céptica das indicações e do gps, chegámos. Íamos experimentar o chamado glamour duma tenda no meio da natureza... a parte da natureza confere, a do glamour... bom, depende do conceito de cada um. Uma coisa era indiscutivel, ali, no meio de coisa nenhuma, o silêncio e a escuridão eram os donos daqueles primeiros momentos. Dormimos. Nunca tinha dormido num sítio onde a escuridão tinha mesma exacta medida de olhos abertos ou fechados, era incrível, eu abria e fechava os olhos e o negro era o mesmo, sem réstia de luz, claridade ou sombras. Onde não há luz não há sombras, só nós. No dia seguinte o frio e a "casinha" ao lado da tenda era de tal forma arejada que não arriscámos uma pneumonia em troca dum banho, adiámos para quando o sol estivesse mais alto e quentinho. O pequeno almoço animou-nos e a simpatia de quem nos recebeu também. A quatro patas sempre animada com tanto para cheirar e explorar foi quem desde logo se notou que iria curtir mais o fim de semana e a aventura, ainda que apesar de todos os esforços não tenha conseguido afinfar nenhuma lagartixa, por muito que se tenha esforçado no seu estilo de caçadora não praticante. À noite o céu era de cortar a respiração, duma imensidão e nitidez como não me lembro de ver - vantagem de não se avistar civilização, ou luzes que o denunciassem. Dava vontade de inspirar aquilo tudo, de respirar fundo, de mergulhar naquele silêncio, fazer arte dele e do céu que nos faz tão, mas tão insignificantes. O brilho das estrelas naquele fundo tão negro deixou-me de nariz no ar ao frio bastante tempo. O suficiente para lembrar outros céus onde perdi a conta às vezes que fechei os olhos para formular desejos, até deixar de ter desejos e continuar a ver estrelas a rasgarem o céu até desaparecerem nalgum sitio onde deixaram os meus desejos, perdidos à sua sorte, ou à minha (e bom... já se sabe, né?). E lembrei-me disto e sorri, pensei que se alguma me caísse ali, naquele momento, no regaço do olhar não teria desejo para lhe entregar... e depois passado instantes voltei a sorrir quando uma estrela rasga o céu para se perder algures escondida do meu olhar, e eu sem desejo que iluminasse a ironia... mas acabei por desejar alguma coisa, agora de olhos abertos. Agora sempre de olhos abertos - postos no céu, é certo, mas abertos. Escrevi qualquer coisa nessa noite, mas perdi tudo, rede era coisa rara e talvez isso seja bom algumas vezes. Mas as palavras raras, e saídas debaixo daquela malha negra e brilhante de estrelas, perderam-se... talvez tenham encontrado outros caminhos, ou não chegaram a ser caminho.
Os dias seguintes foram de passeio e de lamber com os olhos as paisagens que me encantam a cada vez que me perco pelos encontros com o Alentejo. Passeios de carro, alguns a pé, revisitar algumas praias, voltar ao Sacas, aos croissants deliciosos em Milfontes, música sempre pelo caminho e vários dedos de conversa.
Depois o regresso, cada vez mais com olhos postos numa volta que se quer breve e prolongada (e em placas "vende-se"). Mas não, acho que não me voltam a apanhar no glamour duma tenda... agora o resto das férias, já em casa, têm sido dedicadas à bricolage e a um sem numero de coisas para fazer que até me apetecem fazer, ou então é esquecer o regresso ao trabalho que me apetece... isso e não me lembrar que tenho de aturar gente doida...