quinta-feira, 26 de maio de 2016


O último cigarro do maço diz-me que tenho de tomar banho e sair de casa. Que o dia está cinzento lá fora, mas não está mais colorido aqui dentro depois de me pôr a arrumar passados, enrolá-los e deixá-los à espera da transferência para o arrumo. Fosse tudo tão fácil na vida, mesmo que trabalhoso. Realmente a G tinha razão, não fazia sentido aquela foto como a sombra de um farol extinto sobre o meu sono. Enquanto tirava agrafo a agrafo para guardar para o futuro o que ficou do passado, pensava que passados temos muitos, temos tantos quantos olhares lançamos sobre o que já foi, o que já fomos, o que já tivemos e vivemos. Às vezes o mesmo passado são muitos passados. Há dias que nos deixam cheios de dores, outros de sorrisos ternos, outros de raivas surdas ou das que fazem gritar. Tantos passados, às vezes, para um mesmo momento vivido. Vivido uma vez - só se vive cada coisa uma vez, mas revive-se, de cada uma dessas coisas, passados inúmeros, diversos, é até contrários. Como o futuro, há tantos futuros como cada disposição com que acordamos para cada minuto, cada hora, cada dia, cada estação do ano ou da alma. Só o presente é único, mas cada passado que recordo, cada futuro que anseio ou temo, são tão reais como estar agora, aqui, a preguiçar no sofá, ainda de pijama, a adiar um banho e o pôr o pé fora de casa. Tudo é real, mesmo quando nos mentimos, mesmo quando nos mentem, mas só o momento é único.
Talvez por o presente ser único, ainda que seja apenas uma sucessão de momentos, se sinta como indecifrável. É a tentativa de o decifrar, de lhe conhecer as razões e os porquês, que nos dá tantos passados quanto futuros. 

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