domingo, 31 de dezembro de 2023

 311223

Hoje. É um número curioso: dois uns, dois dois e dois três. É só isso, curioso, nada mais. É também o último dia do ano, deste ano. Este ano que não me deixa saudades, mas deixa marcas profundas, e bastantes. Este ano que vai sempre fazer parte dos anos que não esquecerei. Ano de grandes perdas, de decisões pesadas, ano de riscos e de medos. Ano de assumir uma maturidade que me caiu pelos ombros e me mostrou pilares de que a vida é feita, e desfeita. Ano de me virar para dentro de outra forma, de explorar lados que nunca procurei... encontrei na meditação, e no yoga que já me acompanha há algum tempo, uma paz e uma liberdade que me ajuda.

Tenho algumas vezes tentado escolher uma frase para o ano que começa, um mote, um mantra talvez. Mas cruzei-me com esta frase há pouco e fez-me tanto sentido para resumir este ano, que em vez de escolher um começo, vou escolher um fim... que trará um qualquer começo que nem sequer quero ou consigo imaginar. Mas todo o fim é um começo, isso eu sei. " O sucesso não é definitivo,  e o fracasso não é fatal, é a coragem de continuar que conta." A coragem é uma palavra espinhosa para mim.  Não acredito em coragem não havendo alternativa, não havendo escolha, aí não penso que se trate de coragem. Coragem é ter escolha e escolher o menos fácil, escolher de acordo com o que está certo, o que é digno,  com a verdade, independentemente do caminho a percorrer para o conseguir, não pensar no que é mais cómodo ou fácil, pelo contrário ter consciência da dificuldade, mas ainda assim escolher essa via. Ter apenas um caminho: continuar...não é coragem, é sobrevivência, é falta de qualquer alternativa. E não me digam... ah e tal mas continua, não desistiu!... não? uma coisa não implica a outra, há tanta, mas tanta gente, que continua o caminho mas já desistiu... eu muitas vezes sou essa pessoa, acho. Não gosto de pensar isso, de dar a mão à palmatória, de pensar que houve pessoas que me estragaram irremediavelmente para sempre, que a vida me foi roubando de mim, aos poucos. Mas esta frase lembra-me essa ideia, nada é definitivo, nem o que é bom e foi procurado, nem as penas que nos vão encontrando pelo caminho... nada é para sempre. Já diz o ditado (e eu adoro ditados, pois) "não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe". É isto que temos de nos lembrar, não desesperar mesmo quando o desespero se nos entranha no sangue que corre o corpo todo. Há que fechar os olhos respirar fundo e nesse silêncio encontrar essa certeza, tudo faz parte, tudo é parte do tempo, da vida. Há um amanhã diferente, algures. Certo é que o futuro me deixa muito apreensiva, os próximos anos, e este 2024 que segue já a seguir, pode ser um ano de grandes mudanças, de desafios mais que incertos. Em tudo, e com reflexos na economia mundial, que chega até aqueles que acham que com o resto não têm nada a ver... Veremos, mas nada do que se avizinha será fácil, nem numa perspectiva macro, nem na minha micro perspectiva caseira, da minha vidinha dos dias. Da mãe, da filha, do irmão, do trabalho e do tempo para o resto arrancado sempre a alguma coisa. Há que agarrar os pequenos momentos plenos, há que sorrir nos interstícios dos dias, das coisas, do "tem que ser". Olhar para a minha filha, quase quase grande, que grande nunca será, será sempre uma pequenitates para mim, orgulhar-me dela em muitas coisas, desesperar-me com outras, mas sentir nela um coração no sítio certo, os princípios num lugar seguro, dá-me um sorriso de alma inteira. Olhar as minhas duas patudas, já sem o meu grisalho de quatro patas que há dias se despediu de mim de manhã quando me preparava para sair para trabalhar- mais uma perda que fica neste ano que hoje acaba, o meu grisalho teimoso e resiliente. Olhar para elas e ver a alegria, ver a brincadeira e o amor incondicional que nos têm, a vontade imensa de atenção e carinho, e os gestos ternos que se percebem, os olhares que nos querem falar sem ter palavras.  Tantas, tantas vezes como nós, demais. Tudo isso tem uma beleza que toca se nos deixarmos tocar. Se nos deixarmos tocar, como em tudo. E nestas coisas deixo, e gosto, remetem-me para a minha essência, despertam-na, e fazem alguns instantes plenos, momentos meus.

Revejo alguns posts de ultimo ano que já escrevi, aqui e noutras paragens, e tenho saudades. Saudades da esperança, da vontade, do sentimento de começar de novo de alguma forma. Duma folha em branco. Concluo que já não tenho folhas em branco. Talvez seja uma coisa boa, normalmente servem de rascunho para algo. Talvez agora comece a ser altura do "algo".

Bom ano! 

Que o próximo ano vos traga tudo o que precisam para serem felizes!!


segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

 Foi só quando abri a garrafa de vinho. Durante a tarde, a música ligada, os cães por ali e o meu irmão a aparecer volta e meia, e até a ajudar com as rabanadas com técnicas de engenheiro, fizeram a tarde passar bem, mesmo que muito atarefada. O cheiro a canela talvez tenha ajudado. Depois foi o doce da avó, depois já não fiz o bolo de cenoura, substituto do bolo inglês, que era feito para o meu pai, mais ninguém comia… este ano não se fez. Mas passei a tarde comigo, com os cães ,com música, com o meu irmão por bocadinhos. Ao telefone várias vezes, com gente minha, que me faz sorrir, com gente que me liga a perguntar, "viste o céu?... como está?".. não, e lá fui à janela da sala ver aquela maravilha de cores, entre uma rabanada e outra. Ninguém quer crer que esteja na cozinha a tarde toda, entre tachos e colheres de pau. Não é coisa minha, todos os meus o sabem, mas todos sabem porque o faço. Os doces de Natal sempre foi a minha mãe a fazê-los, nunca as empregadas, nunca mais ninguém, senão nós. Bem ou mal, nós. A minha mãe cedo desistiu e recolheu-se, tudo a baralha, tudo lhe faz confusão, tudo é um problema que se chora. Passei o dia de sapatilhas e leggings quentes, não me lembro de alguma vez passar um dia 24 assim, e sem sair de casa, nada. Levantei-me tarde e com uma lista de coisas para fazer... ajuda a não pensar muito, e isso é bom. Às vezes é muito bom. Depois dos doces feitos, a mesa, a loiça do armário da sala, a toalha de Natal. Depois a lenha. Não importa se a casa está quente ou fria, é Natal tem de haver lareira. Mas para isso tenho de ir buscar lenha, e fui, e acendi a lareira. O espectáculo do fogo, a dança das sombras, a intimidade daquele calor. Traz-me muitas recordações... dou por  mim a pensar que talvez por isso agora a acenda pouco… depois arranjar-me, vestir-me. Parecer gente normal, e não um piloto de fogão com banda sonora da boa. Escolher uma garrafa. O mesmo que bebi o ano passado, nenhum vinho muito especial, normal, mas bom. Abrir a garrafa. Abrir a garrafa para mim... só para mim este ano, mas fiz questão de a abrir, para partilhar com quem não está, mas está neste abrir de garrafa, na lareira que tem de ser, no lugar vazio ao meu lado que continua ao meu lado, que estará sempre vazio mesmo que não estivesse. E a abrir a garrafa desatam-se as lágrimas que não esperava. Não se anunciaram, vieram só de mansinho e de rompante, sem se poderem trancar antes de soltas. A garganta a tentar dar um nó que não desate. E pôr o vinho à lareira para aquecer um bocadinho. E aceitar. Aceitar que é assim, que o meu pai já não está, que a minha mãe não sabe de si, nem de ninguém, que está, mas há muito que deixou de estar. Abraça-me a chorar quando lhe digo que sou a sua filha, que sou eu. Abraça-me, diz que não me vê há tanto tempo... e os meus irmãos onde estão? E o Papá? Demora muito a chegar? E o vinho aquece um pouco e depois sirvo-o num copo que acabo sozinha, depois de tudo, à lareira, numa paz que já só consigo ter sozinha. Sozinha com todos os que já perdi, duma forma, ou doutra. E aceitamos. E bebemos o último gole e vamos dormir. Fechamos a luz de fora, e tentamos apagar a de dentro. Amanhã, ou seja hoje, há mais coisas para fazer. Há que meter lenha na fogueira dos dias, quer esteja calor ou frio. 

domingo, 17 de dezembro de 2023

[desconheço a autoria]

 46. É um numero, sempre disse que são apenas números, e são. Vão somando, ou subtraindo conforme queiramos perspectivar. Certo é que o que vivemos já ninguém nos tira, para o bem e para o mal. Há males que serão sempre males e bens que serão sempre bens. Com sorte e alguma inteligência tornamos os males em aprendizagens, em crescimento, em conhecimento da dor, até. Em conhecimento das nossas fronteiras e limites, o que nos leva a impô-los e onde afinal estão - às vezes estão muito para além de onde achávamos que estavam, outras precipitam-se muito antes de o desconfiar, e na verdade nunca sabemos até os testarmos.  De alguma forma a vida, e tantas vezes a dor, vai-nos preparando para o que vier e nalguns casos até o evita. Infelizmente, às vezes, os males evitam futuras felicidades, fazem-nos descrentes, cépticos, demasiado realistas na boca de alguns, e pessimistas na boca de muitos. Seja o que seja somos a soma de tudo isso, do que nos aconteceu e de como vivemos o que nos aconteceu. Como o sentimos, como o sofremos, com que dignidade soubemos responder e aceitar, e como fomos felizes na felicidade que às vezes encontrámos, ou espreitámos, vá. Somos as gargalhadas no meio disso tudo, o saber rir do que nos magoa, das figuras que fazemos, do que somos em caricatura que sabemos esboçar nós mesmos. Rir, rir com quem gostamos será sempre uma das melhores coisas da vida. Eu do alto dos meus 46 aninhos, feitos agora, é o que sinto, o resto teremos sempre: responsabilidades, obrigações, culpas, há até quem tenha arrependimentos (eu curiosamente não sofro desse mal), mas enquanto tivermos com quem rir, quem nos abrace, quem se desvie um tico do seu caminho para nos entregar um beijo a quatro braços, então vale a pena continuar a aprender com a vida a valorizar, cada vez mais, quem o faz. Quem se lembra de nós, hoje e sempre que os dias da vidinha nos permitem parar um bocadinho para nos lembrarmos de viver, de estar, de ser simplesmente. Se fazemos parte desses momentos para alguém e se temos companhia para os nossos, caramba ainda há coisas que fazem sentido. Tanto como estarmos bem sozinhos, de olhos fechados com o sol a bater-nos na cara, como eu estive até há minutos atrás, sentada no chão em frente à janela duma divisão que já foi escritório, onde pensei e cheguei a dizer que poderia ser um quarto, e onde hoje tenho estendido o tapete de ioga (sem uso há duas semanas mas que vou recomeçar assim as dores que me chatearam estes dias me deixem), um caderno rabiscado, blocos e uma manta. O sítio onde a minha pintarolas de quatro patas se aninha ao meu lado enquanto trabalho sorrisos que afinal nem sempre são solitários. Não sei quantos virão mais nem o que se seguirá, já deixei há muito de esperar o que quer que seja. Agora só peço paz, e peço como quem sabe que não pede pouco. Mas se é para pedir... só quem for parvo é que pede pouco, e eu ando a tentar aprender a não ser parva, está visto. 

Fui procurar uma imagem que coubesse aqui e neste dia, bati os olhos nestas linhas, e sim faz-me todo o sentido, mesmo que possa parecer pouco clara a relação entre o texto e o poema (guardei a imagem mas não tenho a autoria do poema, se alguém souber por favor avise-me, não gosto de não dar os devidos créditos). O texto sussurra intimidade, a que me forra momentos, e uma urgência de vida, de começos, de beleza, que se poderia assemelhar à urgência do desabrochar dum botão de rosa, que em nada parece ter pressa para a perfeição. Faz-me sentido, e isso basta.