Último cigarro do dia. Duas luzes na mesa outras tantas na rua. Não está feio e apetece-me deixar-me ficar, nunca me apetece acabar o dia, não porque tenha sido bom, mas porque começar outro não é ideia que me anime... E aqui estou bem, enrolada no cadeirão redondo a ouvir vozes ao fundo. Falam espanhol e riem. Rir não tem língua, é linguagem universal. Como outras que não se servem de palavras mas que dizem mais que muitas palavras eloquentes juntas. Dantes acreditava muito nessa linguagem que não se falando se exprime, que se sente mesmo que não se entenda. Escrevo isto e penso que volto sempre à essência, à ideia de essência. O que é essencial percebe-se mesmo que não se entenda, sente-se mesmo que não se fale. É um perceber que se sente sem razão. As palavras só são precisas para as razões com que procuramos entender. E desentendemo-nos muitas vezes com o que procuramos entender, muitas vezes num entendido desentendimento a que procuramos fugir. A essência apenas é, é-nos independente de tudo, selvagem não domesticável à razão.
E eu já não sei da essência dos dias, da vida, mas ainda sinto a minha. Sinto-a desbotada, apagada, mas não mudou, não entendo como, mas sinto-o.
A essência não muda e não tem rótulos, os rótulos precisam de palavras. Não são universais, são língua, mas nem sempre linguagem. Quase nunca a minha.
E no entanto aqui estou eu, a escrever na minha língua a minha linguagem. Não é universal, nem todos entenderiam, alguns apenas se ririam. Talvez com razão.
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