Quem gosta de ler, e deixa de ler, deixou de acreditar na vida.
Quem gosta de ler, de se embrenhar nas páginas e na vida dum livro, duma história, de sentir e pensar outras histórias, ainda acredita - acredita no que pode ser ainda. Lê o que, de alguma forma, reconhece como desejo, como quem saboreia partes do seu próprio sonho, que às vezes nem sabia que sonhava. Lê às vezes para se descobrir, identifica-se, ri-se sozinho, pára e pensa em muita coisa e em nada outras tantas vezes. Também chora. Deixa-se levar. Lê e acredita, também quem reconhece sentimentos que conjuga o passado com tempo de futuro. Deixa de ler, quem gosta de ler, quando o que lê o devolve a sítios onde se encontra, mas já não está, e não acredita já, poder-se estar, viver. Como quem reconhece pedaços de ilusão vividos como realidade pura, para passar a realidade a ser a visão de meros pedaços de ilusão. E não é que não haja essa realidade, que seja impossível de a viver, de existir... não, só já não se acredita. E então, quem gosta de ler, para teimar, vira-se muitas vezes para os factos, para a leitura útil, para o conhecimento, para livros técnicos ou de história... ou então continua a teimar em insistir, teima em resistir a alguma tristeza dos sorrisos que algumas cenas deixam, quando acabamos de as ler. Lembro-me de alguém que dizia que tinha deixado de ler durante anos, que tinha deixado de ter tempo ou paciência, ou que a vida tinha, com o passar do tempo, abalroado o tempo para ler... e depois voltou a ler. Retornou devagar a deixar-se mergulhar em vidas, em mundos, em almas, que os livros nos lembram que também temos, ou tivemos, em que acreditamos e nos entregamos. Gostamos de ler quando nos entregamos a esses mundos, tanto, que parece que nos roubam momentaneamente deste. E só nos entregamos se acreditamos. Em tudo é assim.