O tempo que passa leva o silêncio. À medida que envelhecemos o mundo tem cada vez menos silêncios, cada coisa ganha voz, ocupa as possibilidades, preenche-as, fecha-as, tornam-se espaços fechados onde dentro estão sempre pedaços de nós. Hoje de manhã abri a janela enquanto o ar se enchia de café, queria respirar o dia novo, e com isso renovar o tempo em mim, inspirar silêncios ainda por escrever. Abri a janela e fechei os olhos para sentir o frio do ar por dentro do quente do corpo. Abri os olhos com o sinal do café servido e vi a laranjeira despida em frente, e o muro que lhe serve de guarda enrugado pelo tempo molhado das chuvas, sempre húmido, e ouvi - claro como o bater do meu coração - a conversa entre o meu pai e o meu irmão “estes terrenos têm muita água, corre muita água por aqui que não vemos”. Aquele muro, que no inverno tantas vezes jorra água das entranhas, nunca mais foi silêncio. A cada vez fala-me, traz-me aquela conversa, a água que não se vê mas que corre por dentro das coisas. Há anos atrás ele não falava, ainda era silêncio. À medida que envelhecemos o Mundo tem cada vez menos silêncios porque as memórias falam alto quando respiramos lento o suficiente para as ouvirmos... Afinal... acho que é o tempo que não passa que leva o silêncio.