quinta-feira, 21 de setembro de 2017



Houve uma altura em que simplesmente se rendeu, deixou-se escorregar pela vontade até ao desejo, à tesão que domina o momento e o inflama - cedeu ao que lhe apetecia. Esqueceu tudo o resto que não lhe apetecia, apagou o resto do mundo entre um sorriso e um murmúrio de prazer - esse abismo estreito e sem fundo em que os dois mergulharam -, sucumbiu a si mesma, ao que ainda tinha dentro, no espanto e susto de saber que ainda tinha aquela força, aquela estupidez tremenda... por afinal descobrir, entre ternuras e carinhos que lhe apagavam a memória, que se estava a marimbar se ele gostava ou não, se a amava mesmo ou só a brincar, porque, ali e agora, ela tinha a certeza de que tinha falhado redondamente em convencer-se de que já não o amava, de que "aquilo" nunca voltaria a ser mais forte que ela. E foi talvez nesse momento, nesse preciso momento que teve de coser a boca para não lhe dizer que o amava, porque lhe apeteceu dizê-lo, apeteceu-lhe gritá-lo e calar o silêncio das folhas que cantavam brisas do lado de fora - mas não disse e, sim, achou que não o devia ter dito, mesmo depois de o ter deixado por dizer... Ao menos isso fez bem- confessou-se - ou talvez não, concluiu logo a seguir. Afinal o que melhorou com isso?, perguntou-se já no esfriar do momento que lhe rebentava as veias duma vida que ainda a implodia. Entre uma fumaça e outra do cigarro, sentenciou, falando silêncios seus: "Nada. Foi só uma vontade que colei ao céu da boca. Mais nada. Não há mais consequências disso, como não haveria se o tivesse dito. Como nada do que fizemos tem"... e depois, já falando por fora da boca, para que se ouvisse, para se ouvir  "...porque tudo isto afinal é nada."
... Nada, era só o seu sítio, donde parece que nunca chegou a sair quando já se julgava longe e segura, mas onde não há lugar para ela, e ela sabe-o. O sabor amargo que lhe trinca a boca a cada dia que começa, a cada dia que acaba, que não lhe deixa nenhuma dúvida para sonhar. E ela já trincou todos os sonhos - eram amargos.
O cigarro ainda dura, e olha-o queimar-se lentamente na sua mão, o fumo enrola-se como os pensamentos à volta dele, ele era o seu sítio, o lugar certo para ela ser, mas nele não tinha lugar. Para ele ela era um lugar onde ia e voltava, sempre sem regresso e sem volta, ela era o seu passeio, a sua viagem, até o seu regresso eterno, mas nunca casa. O sítio dele não era ela. As geografias que não têm coordenadas geográficas neles não coincidiam, os mapas não se conseguiam alinhar num só norte. A direcção perdia-se de amor, mas não no amor.
E agora, antes de se levantar e restar naquele cinzeiro apenas cinza, pensa em tanta coisa que lhe queria perguntar e dizer, em tudo o que ficou por dizer, tendo-lhe mostrado tudo o que não disse - o que lhe ficou colado ao céu da boca. "Também eu fiquei", diz entredentes, mordendo silêncios penosos e recordando uma das últimas frases dele "Continua linda, por dentro e por fora, e cada vez mais" - e de repente o céu pareceu-lhe um lugar pequenino ao pé disso. E enquanto se afastava, e dizia quase com raiva a si mesma que aquele não era lugar para ela, alguém jura ter-lhe lido nos lábios  "Se ao menos fosse verdade, o único sítio onde viver seria a nossa vida."

3 comentários:

  1. A nossa vida é toda ela feita de acasos. Mas é o que em nós há de necessário que lhes há-de dar um sentido;)
    Bom dia, Vi:))

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  2. É bem verdade que a vida é em muito feita pelos acasos, e dessa rede de acasos que tecemos a vida, com o que fazemos deles, onde os levamos ou como os descartamos. O que fazemos do que nos acontece. Há tantas realidades paralelas para um mesmo acaso... é o que torna a vida um tanto caótica, aleatória, e, ao mesmo tempo, a pode tornar surpreendente. E não, nem tudo está nas nossas mãos, eu diria mesmo que a parte que está nas nossas mãos é ínfima mas vital.

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  3. (ahhh.... Bom dia, Legionário... desculpa, estou uma mal educada hoje ;)) )

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